O poder nunca impressionou a anti-Carla Bruni
Ela está pronta a sorrir pela França e a fazer tudo o que o protocolo disser, mas quer continuar a ser jornalista. E não faz questão de casar com o novo Presidente francês, o "amor da sua vida"
Nunca se viu tal coisa em França: a nova primeira-dama, que diz estar a viver com François Hollande "o grande amor" da sua vida, não é casada com o Presidente-eleito, e quer continuar a trabalhar. "Tenho três filhos para criar e não vivo dos rendimentos. E não quero viver às custas do Estado", diz Valérie Trierweiler, 47 anos, jornalista de política na revista Paris Match há mais de 20 anos e apresentadora do seu próprio programa de televisão num canal de cabo.
Michelle Obama é a referência de um novo tipo de primeira-dama, que fez uma horta na Casa Branca e empenha-se na luta contra a obesidade infantil - escolheu uma causa, como é costume, mas de forte cariz social. Mas deixou a carreira quando o seu marido assumiu funções. Valérie Trierweiler, a companheira do "Presidente normal", pode fazer uma revolução das mentalidades no que toca ao papel das esposas dos políticos que assumem os mais altos cargos nacionais - se conseguir levar por diante os seus planos.
"Por que é que seria chocante continuar a trabalhar, se fosse no respeito da deontologia jornalística?", interrogava Valérie Trierweiler numa entrevista ao jornal Libération publicada a 7 de Abril. "A esquerda sempre defendeu a causa e a independência das mulheres e esse é um dos motivos pelos quais me reconheço nos seus valores", defende a companheira do segundo Presidente socialista da V República francesa, que disse à AFP sentir-se como "naquele filme em que o telespectador entra na tela e se torna actor".
Quanto ao estilo de anteriores primeiras-damas, Valérie Trierweiler inclina-se mais para o modelo da activista Danièle Mitterrand ou de Hillary Clinton. "Não estou muito à vontade neste papel, mas sair-me-ei bem se não estiver limitada. Quero representar a imagem da França, fazer os sorrisos que forem necessários, estar bem vestida, mas não ficar só por aí. Não serei um jarrão", disse, citada pelo Le Figaro.
O que poderá ao certo fazer do seu papel de primeira-dama é ainda uma interrogação - certo é que sobretudo nos Estados Unidos causa escândalo que o Presidente socialista de França viva em concubinato. Como tratar a senhora Trierweiller? O protocolo francês está ainda à espera que ela decida como gostaria de ser tratada e, se o casal resistir às pressões para dar o nó, poderá haver alguns embaraços quando forem recebidos no estrangeiro, mas, em princípio, só o Vaticano se mantém fundamentalista quanto aos consortes dos líderes.
Quanto aos planos para continuar a trabalhar... os jornalistas que se pronunciaram têm sido ainda suavemente dissuasores. "Contrariamente ao que Valérie Trierweiler pensa, não foi no domingo que atravessou o ecrã, foi há mais tempo, quando se tornou oficialmente companheira de um homem em campanha eleitoral. Há muitos meses que já não a consideramos como colega, mas como uma personalidade pública", escreveu no site da revista Nouvel Observateur Christophe Carron, chefe de redacção adjunto da revista Voici.
Ela transfigurou-o
François Hollande e Valérie Trierweiller conheceram-se há 23 anos, quando ela era uma jovem jornalista a começar na secção de política da revista Paris Match, encarregue de cobrir a esquerda, e Hollande era um jovem deputado (34 anos), conselheiro do então Presidente François Mitterrand. Tinham uma diferença de dez anos, e a sua relação profissional ganhou em profundidade e cumplicidade ao longo dos anos. Mas o "clic" da paixão terá acontecido por volta de 2006. "Tratei-o por você até ao último minuto", recordou a jornalista à revista Nouvel Observateur em Outubro.
Ficou célebre a entrevista em 1992 que a jovem ministra Ségolène Royal, companheira de François Hollande, deu a Trierweiller e a uma sua colega, ainda a partir da maternidade, quando nasceu Flora, a última das quatro crianças que teve com François Hollande (sem se terem casado). A ideia era mostrar que é possível conciliar trabalho e vida pessoal. Como é óbvio, essa entrevista hoje é vista com renovado interesse. "Foi a minha colega que foi à maternidade, e não eu. A entrevista foi feita por fax, e através dos assessores de imprensa. É muito mais romanesco imaginar que eu fui à maternidade... Mas é preciso ser fiel aos factos!", disse Valérie Trierweiller.
A companheira do "Presidente normal" foi a "outra" na vida de François Hollande, quando este tinha uma relação publicamente reconhecida com Ségolène - e quando ela se candidatou à presidência, em 2007, contra Nicolas Sarkozy. "Mas desde que ele está com ela [Valérie], Hollande anda nas nuvens. Acredita que tudo é possível, até tornar-se Presidente. Antes, ele julgava que acreditava, mas faltava-lhe qualquer coisa. Ela transfigurou-o", escreve a revista Marianne, citando "uma velha raposa da política".
Foi Valérie que despertou no socialista as possibilidades de um "cisne negro", segundo a teoria de Nassim Nicholas Taleb: tornar-se um acontecimento-surpresa que tem um grande impacto. Em Março do ano passado, quando Hollande declarou a sua candidatura, ninguém punha muita fé nele como candidato do PS à presidência da República francesa: as apostas iam todas para Dominique Strauss-Kahn, o ex-patrão do Fundo Monetário Internacional. Mais do que candidato, DSK era dado, há pouco mais de um ano, como o futuro Presidente.
Agora que Hollande conseguiu o Eliseu, é a vez de Valérie se beliscar, "a cada três minutos", para ter a certeza de que não está a sonhar. Não é o poder que a impressiona ou amedronta. "Aproximei-me do poder cedo, quando comecei a minha profissão de jornalista de política. Nunca me impressionou", disse ela à revista cor-de-rosa Gala.
Nascida em Angers, quinta numa família de seis irmãos, o pai sinistrado da Segunda Guerra (pisou numa mina aos 12 anos e perdeu uma perna), não teve uma infância desafogada. Mas não gosta que lhe tracem o retrato de início de vida desvalida: "A minha história não é a da Cinderela", costuma dizer.
Se ela diz ser tímida, os críticos falam em frieza - há quem lhe chame "duquesa" ou "Princesa da Ervilha". Mas determinação é algo que todos lhe reconhecem. Ganhou uma alcunhas ainda menos simpáticas por não hesitar em dizer o que pensa quando acha que o deve dizer - e por um dia ter dado uma bofetada a um colega da Paris Match que a mimou com uma boca que considerou machista. Ficou com o epíteto "Rotweiller" colado, que Lionnel Luca, um eleito da Direita Popular - uma força mais à direita da UMP, o partido de Nicolas Sarkozy, que é um grande chapéu-de-chuva para várias forças do centro-direita francês -, recuperou durante a campanha, causando críticas.
Mas sobretudo, Valérie Trierweiler é vista como a anti-Carla (Bruni), a herdeira rica italiana, ex-supermodelo, que se travestiu de várias personagens ao lado do Presidente Nicolas Sarkozy, desde Jacqueline Kennedy dos primeiros tempos de casamento até à mãe quase sem maquilhagem, com grossas roupas de lã, que aparecia nas capas de revistas de televisão, de telecomando em punho, dizendo "somos pessoas simples". "Bela-bela sem bling-bling", dizia a revista Gala de Valérie, notada pela sua beleza discreta mas sem ostentação de marcas e atavios, com roupas de corte clássico. O mais luxuriante no seu aspecto é o seu cabelo comprido, castanho claro, de ondas sempre perfeitamente penteadas - um pouco de direita, não?, brincam algumas publicações francesas.