Gracinda, 13 anos, grávida. O Ministério Público disse-lhe que não tem de ir à escola

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Gracinda no acampamento no Lugar das Alminhas Manuel Roberto

Cresceu num acampamento na periferia de Viana do Castelo. Atendendo "ao meio cultural", o Ministério Público arquivou o processo desencadeado pela escola

Custa-lhe andar. Desperta cansada na barraca que era do tio Inácio e que agora é dela e do rapaz com quem partilha a vida. Não planeou engravidar aos 13 anos. "Olha, apaixonei-me, casei-me." O bebé nasce por estes dias.

Deixou de ir à escola. "Tenho muitas dores. Deve ser do peso." No início, era pior. "Enjoava com o cheiro de refogado, de café, de cão." E há tanto cão no Lugar das Alminhas, tanto cão no caminho que liga a estrutura de eucalipto, paredes de zinco, tecto de lona - que ela partilha com Manuel, três anos mais velho - à Escola Básica 2,3 Carteado Mena, na freguesia de Darque, periferia de Viana do Castelo.

A escola avisou a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ). Gracinda recusou qualquer intervenção. "Seguindo as directrizes previstas na lei e as recomendações emanadas da Comissão Nacional", o processo seguiu para o Ministério Público (MP), limita-se a esclarecer a responsável Lígia Sanches. A procuradora adjunta Marta Gonçalves arquivou o caso: "Atento o meio cultural em que esta menor se insere, não existe qualquer medida de promoção e protecção que se adeqúe à sua situação."

A escolaridade obrigatória subiu para os 18 anos. Mas o despacho, de 15 de Novembro de 2011, revela crença na inutilidade de qualquer insistência: "Mesmo que se entendesse propor a acção própria, com vista à aplicação de medida de apoio junto da família e à sua, eventual, reintegração num estabelecimento de ensino, esta, com toda a certeza, seria incumprida pela menor que, peremptoriamente, afirmou não querer voltar a estudar."

Gracinda não esperara no acampamento erguido pela família nas dunas, entre pinheiros e eucaliptos. A escola propusera-lhe um Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF). Para a poupar à caminhada, pedira à junta de freguesia que lhe oferecesse transporte. E ela retomara os estudos, ainda que de forma intermitente. Perante a decisão do MP, deixou de aparecer. Frente a qualquer protesto, os pais mostram o documento do MP.

A atitude da procuradora surpreendeu o director da escola, Luís Braga. "Uma criança grávida, a viver num acampamento, a faltar às aulas; se isto não é risco, não sei o que é risco. Pode-se invocar o meio cultural para tudo? A criança que vai nascer também não está em risco? O MP lava as mãos?" Não diz que é caso único. Diz: "Nunca tinha visto escrito, assinado, com o selo da República."

A procuradora não quis prestar declarações. O professor arrisca prestá-las: "Não havia um desinteresse total pela escola, o objectivo devia ser diminuí-lo."

A Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas assume que a inclusão passa "pela assunção das normas por que todos os portugueses se devem reger". E estabelece como metas a frequência no ensino pré-escolar de 100% e a conclusão da escolaridade obrigatória para 60% das crianças ciganas até 2020.

Muitos adolescentes de várias culturas, de diversos estratos sociais, engravidam e continuam a estudar. ""O meio cultural" não pode servir de desculpa para a desresponsabilização judicial e social", sustenta Maria José Casa-Nova, professora da Universidade do Minho que há anos estuda a comunidade cigana. "A atitude seria igual com menores de outras culturas? Se um homem se recusasse a ficar afastado da companheira que agride, não se poderia aplicar a medida de interdição de aproximação da vítima de violência doméstica?"

Maria José Casa-Nova vê no despacho uma forma de "discriminação paternalista". Não pode haver discriminação em função da etnia, sublinha também Ana Perdigão, jurista do Instituto de Apoio à Criança. "Havendo uma gravidez, há uma avaliação muito mais profunda que se faz para despistar riscos para a mãe e para a criança. O corpo está preparado para parir? Qual o projecto de vida do bebé? Quem é o pai? Há suporte familiar?"

O MP conhece o pai. A Polícia Judiciária quis perceber se houve crime sexual. Encontrou um "marido".

Os casamentos em idades tão precoces já são raros, assegura Bruno Gonçalves, do Centro de Estudos Ciganos. E não têm de resultar em abandono escolar. "As comunidades são muito diferentes. Esse casal pertence a uma comunidade que iniciou o processo de inclusão há pouco."

Gracinda podia fazer como Ana Isabel, a irmã um ano mais velha, que usa um implante contraceptivo. O pequeno bastonete, sob a pele, livra-a de gravidezes durante três anos. "Não quero bebés ainda. Sou nova. Usei pílula seis meses. Depois, pus isso", diz a rapariga, decidida a terminar o curso de serviço de mesa com que espera arranjar trabalho e "ser gabada". Só que Gracinda fiou-se no coito interrompido. "Tinha medo de engordar."

Vitória, a mãe, não soube logo: "Ela não me queria dizer. Não tinha coragem. É muito nova. Eu estava desconfiada. Eu até disse ao meu marido: "Já reparaste na barriga da Gracinda?"" Também "se casou" cedo. Tinha 12 anos. Mas esperou dois anos para engravidar. Teve o primeiro filho aos 15.

Nem aquele despacho levou a equipa do PIEF a desistir. Gracinda tem feito alguns trabalhos e testes no contentor que a escola instalou à porta do acampamento, fustigado pela nortada e por inesperadas infestações de ratos. Naquele espaço bipartido, uma educadora recebe mães que não largam os filhos, desafia-os, tenta prepará-los para a entrada no pré-escolar.

Foi ali que Gracinda aprendeu a fazer um bolo. Talvez aprenda a dar banho ao bebé. Querem que termine o 6.º ano, o que deixa em aberto um eventual curso de educação e formação. E que Manuel, o "marido", termine o curso de electricidade que lhe dará equivalência ao 9.º ano.

Casar é entrar no mundo dos adultos. Gracinda ganhou tarefas. "Tenho de arrumar a minha casa." Numa divisão, uns sofás virados para um televisor, um banco a fazer as vezes de mesa, um cinzeiro cheio de beatas. Noutra, a cama de casal, as roupas dobradas. "Tenho de dar as coisas ao meu marido - água para ele se lavar, roupa para ele vestir." Terá ainda mais tarefas agora. "A minha mãe e a minha sogra vão ajudar."

A dependência dos pais é total. Cada um recebe 94,76 euros de rendimento social de inserção - ele através da família dele, ela através da família dela. E ela recebe 140,76 euros de abono pré-natal. A mala está pronta para levar para o hospital. Para já, arruma-se tudo lá dentro, até o velho sonho de ser cabeleireira.

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