O Athletic é cada vez menos biscainho e até tem um português
OAthletic Bilbau é frequentemente definido como um caso único no futebol mundial. Um clube de topo que aposta exclusivamente nos jogadores da região e que, apesar disso, participou em todas as edições do campeonato espanhol, feito apenas imitado por Barcelona e Real Madrid. Mas a filosofia desportiva que quase sempre marcou a diferença teve sempre interpretações mais ou menos flexíveis desde que, em 1912, deixou de jogar com estrangeiros. Actualmente, os limites são cada vez mais alargados. No plantel sénior, joga um internacional venezuelano e nas camadas jovens actua um português de Guimarães.
A ideia de que no Athletic só jogam bascos não é correcta. Têm existido várias excepções e contradições ao longo dos tempos no entendimento desta lei não escrita. Actualmente, podem representá-lo jogadores da sua formação ou formados em clubes do grande País Basco, que inclui o País Basco espanhol (Biscaia, Guipúzcoa e Álava), Navarra e o País Basco francês, assim como nascidos nestas regiões. E as portas de San Mamés também estão abertas a atletas com ascendência basca.
Ironicamente, o Athletic foi dos primeiros a ter atletas estrangeiros em Espanha (ingleses), decisivos nos primeiros títulos de uma das equipas com melhor currículo do país. A equipa tomou aquela decisão após a confusão criada na Taça do Rei do ano anterior, uma das 24 do seu palmarés. A Real Sociedad liderou um protesto de vários clubes que se queixaram de que o Athletic usou irregularmente dois dos seus jogadores britânicos. A federação começou por retirar-lhe o título e depois voltou atrás, o que não impediu o Athletic de tomar uma das resoluções mais importantes da sua história.
Ainda assim, depois disso, um punhado de jogadores nascidos fora de Espanha vestiram a camisola vermelha e branca, todos com ascendência basca e em muitos casos criados na região. O chileno Higinio Ortúzar (1939-1943), o filipino Ignacio Larrauri (1941-42), o brasileiro Vicente Biurrun (1986-1990) e o mexicano Javier Iturriaga (2006-07) jogaram em San Mamés. Justo Ruiz, um jogador que passou pelo União da Madeira, foi internacional por Andorra, mas nasceu em Vitória. O central Amorebieta, do plantel actual, nasceu na Venezuela, tem pais bascos e regressou a Bilbau ainda bebé. Mas o estrangeiro mais famoso do Athletic foi Bixente Lizarazu, lateral esquerdo campeão mundial pela França, natural do País Basco francês, que poucos anos depois sofreu ameaças da ETA para pagar um "imposto revolucionário" por defender uma selecção de um "país inimigo".
Um júnior de Guimarães
No entanto, os mesmos parâmetros que permitiram que estes atletas tenham sido "leões" nalgum ponto da sua carreira fecharam a porta a outros, como José Gárate (Argentina), López Ufarte (Marrocos) ou Miguel Jones (Guiné Equatorial), que foi o primeiro jogador de raça negra a representar o clube.
Hoje em dia, contudo, há jogadores de vários cantos de Espanha a representar o clube e de várias nacionalidades nos escalões de formação: franceses (nascidos fora do País Basco), um maliano, um camaronês, sul-americanos e até um português, Víctor Monteiro Oliveira, de 17 anos. O médio júnior, natural de Guimarães, que já representou as selecções jovens bascas, é filho de emigrantes portugueses no País Basco e está há seis anos no clube.
Este alargamento do âmbito de jogadores que podem representar o Athletic não agrada aos adeptos mais puristas. O clube já nem sequer é maioritariamente formado por jogadores de Biscaia, apesar de em vários períodos da sua história ter sido 100% constituído por naturais da província de que Bilbau é capital. Em Março de 2011, 43 anos depois do último "onze" inteiramente composto por atletas biscainhos, o Athletic não alinhou de início com nenhum. Aconteceu num jogo com o Saragoça. A mudança foi rápida e começou essencialmente nos anos 80, quando a direcção decidiu fazer do Athletic a equipa de todo o País Basco. Sinal dos tempos, Fernando Llorente, Iker Muniain e Javi Martínez, talvez os três jogadores mais importantes da equipa na actualidade, não nasceram no País Basco espanhol. Manuel Assunção