A Revolução Francesa na música de Claude Debussy a Pierre Boulez
Música & Revolução é este ano dedicado aos compositores que mudaram em França o curso da música erudita
Paris, Sociedade Nacional da Música, 22 de Dezembro de 1894: a estreia de Prélude à l"aprés-midi d"un faune (Prelúdio à sesta de um fauno), de Claude Debussy (1826-1918), foi recebida com aplausos, que justificaram mesmo a repetição da obra interpretada por uma formação dirigida pelo maestro Gustave Doret.
Este serão ficaria na história da música, e Pierre Boulez viria depois a classificar a peça que Debussy baseara num poema de Mallarmé como "a primeira obra da música moderna". "A flauta do fauno deu nova vida à arte da música", e sem esta obra "seria impossível entender não só Ravel, como também Edgard Varèse ou Oivier Messiaen", acrescentou o compositor francês.
Debussy, Ravel, Messiaen e o próprio Boulez estão no centro da programação do festival anual Música & Revolução, que a Casa da Música, no Porto, apresenta entre hoje e 1 de Maio.
Este ano dedicado às Revoluções Francesas, o programa celebra compositores e reúne "uma selecção de obras inovadoras, controversas", algumas das quais fizeram escândalo aquando da estreia, e em relação às quais "se pode dizer que há um antes e um depois na história da música", diz o director artístico da Casa da Música, António Jorge Pacheco.
O calendário abre hoje com o concerto-instalação e a estreia em Portugal de Vexations, de Erik Satie. São 840 variações, segundo indicação do próprio compositor, de um pequeno trecho para piano, aqui interpretado num Discklavier, um programa que funde o som de um piano mecânico com o de um computador. Vexations começa às 20h09, seguindo também o horário extravagante com que Satie geria o seu quotidiano. Ainda no primeiro dia, e enquanto a música de Satie soa no espaço Cybermúsica, a Sala 2 da Casa acolhe o projecto Digitópia Colective com Variações sobre Pierre Henry, o compositor que, com o seu compatriota Pierre Schaffer, esteve na génese da música concreta.
Nos dias 27 e 28, o Remix Ensemble e a Orquestra Sinfónica do Porto associam-se para dois concertos em que interpretam obras dos mesmos compositores. Debussy e Boulez (este enquanto artista em associação na Casa da Música neste ano França) são os autores em destaque. O primeiro, com o referido Prélude à l"aprés-midi d"un faune e também com Jeux, um "poema dançado" composto para os Ballett Russes de Diaghilev e Nijinsky, mas cuja importância ficou na sombra do escândalo motivado pela estreia, no mesmo Maio de 1913, d"A Sagração da Primavera, de Stravinsky.
De Boulez serão executadas as peças Domaines, Le marteau sans maître (sobre poesia de René Char) e Notations I-IV e VII, onde é notória a decomposição das sonoridades clássicas e convencionais.
Nos dois programas entra ainda Wagner, com a Abertura que este fez propositadamente para a estreia em Paris, em 1861, da sua ópera Tannhäuser (1845), e cujo escândalo e controvérsia, nota António Jorge Pacheco, viria a criar a atmosfera para as posteriores revoluções musicais francesas. E há o incontornável Bolero de Ravel, cuja estreia em Paris, em 1928, causou também grande polémica, o que não impediu que a peça se tornasse depois numa das obras mais populares e mainstream da música ocidental.
Música & Revolução termina a 1 de Maio com um recital de piano de Jonathan Ayerst, o pianista do Remix Ensemble, a interpretar Ravel, Boulez, César Franck e também a peça de Olivier Messiaen, Mode de valeurs et d"intensités (1949-50), a primeira obra do serialismo integral. Mais uma data para as revoluções.