Câmara de Lisboa quer trazer para o séc. XXI bibliotecas disfuncionais
Nenhum dos 12 equipamentos a funcionar em Lisboa chega aos padrões definidos para as bibliotecas de maior dimensão. A cobertura territorial é insuficiente e casuística, diz estudo feito pela autarquia
Trazer para o século XXI a sua rede disfuncional de bibliotecas é o objectivo da Câmara de Lisboa, que discute na próxima quinta-feira a melhor forma de levar a cabo a tarefa.
Uma cobertura territorial muito insuficiente e edifícios desadequados à missão de bibliotecas são alguns dos problemas detectados por um grupo de trabalho que já em 2010 fez um diagnóstico da situação. E as coisas não melhoraram desde aí. "Não existe qualquer correlação entre as áreas das bibliotecas municipais existentes e o número de habitantes que servem, verificando-se um total afastamento dos princípios definidos no Programa de Apoio às Bibliotecas Municipais da Secretaria de Estado da Cultura", refere o relatório da Câmara de Lisboa, que aponta a forma "casuística e voluntarista, muitas vezes tecnicamente pouco fundamentada", como se desenvolveu esta rede de equipamentos. Das 12 bibliotecas existentes neste momento em Lisboa, "nenhuma chega aos padrões definidos para os equipamentos municipais de maior dimensão, como seria expectável numa capital como Lisboa", assinala o mesmo documento. "E apenas três - Galveias, Hemeroteca e Belém - têm áreas correspondentes aos padrões menores."
A crer na vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, o desrespeito pelos padrões de exigência em vigor, como "as áreas exíguas e subdimensionadas, com espaços muito compartimentados", não ocorre na maioria dos municípios do país, onde este tipo de equipamentos é "hoje factor de grande dinamismo local". O objectivo da maioria socialista que governa a autarquia é que até 2024 Lisboa passe a ter duas dezenas e meia de bibliotecas, oito das quais de grandes dimensões. Destas, o grupo de trabalho considera prioritárias três: a da Alta de Lisboa, onde será também instalada a biblioteca de publicações periódicas que hoje existe no Bairro Alto (a Hemeroteca); a de Marvila, em projecto; e, por fim, a biblioteca de Benfica, freguesia que, apesar de ser das mais populosas de Lisboa, não conta senão com um equipamento especializado, o Gabinete de Estudos Olisiponeneses.
Antes de rumar à Alta de Lisboa, a Hemeroteca deverá ficar alojada provisoriamente no complexo desportivo da Lapa, caso o município consiga ficar na posse deste imóvel do Estado. Seja como for, tanto a construção da biblioteca da Alta de Lisboa como a de Benfica, que ficará na antiga Fábrica Simões, têm como meta temporal o médio e não o curto prazo. No primeiro caso, os planos da autarquia passam por construir um edifício de cinco mil metros quadrados capaz de dar um novo impulso ao desenvolvimento desta nova zona da cidade, onde será também instalado o serviço de aquisição e tratamento técnico das colecções e um depósito de difusão.
Estudo será votado
O estudo, que vai ser votado na próxima reunião de câmara, não faz qualquer referência a uma outra megabiblioteca que chegou a estar prevista para o Vale de Santo António, e da qual a equipa camarária chefiada por António Costa desistiu por considerar as suas dimensões exageradas. Em vários casos, como Belém e o Camões, os planos da câmara passam por reconverter e ampliar velhos espaços. Para a Baixa e para Santos estão previstas novas bibliotecas de grandes dimensões, cuja localização ainda está por definir.
Mas que papel podem ainda desempenhar as bibliotecas no século XXI? "Deveríamos parar de as ver como lugares que desempenham funções - deposita isto, empresta aquilo, devolve o outro - e mais como lugares de exploração livre, partilhada e de aprendizagem através de todos os meios, um espaço democrático onde se liberta a mente." A frase é do director dos serviços de bibliotecas de Birmingham, John Dolan, e o grupo de trabalho do município cita-a num ambicioso programa de intenções centrado na prestação de uma vasta gama de serviços à comunidade. A maior mobilidade urbana e global (população migrante e imigrante) aumenta a probabilidade de utilização da biblioteca como ponto de encontro, posto de correio electrónico e fonte de notícias do seu país, referem os técnicos camarários.
Uma biblioteca devidamente inserida no seu bairro contribui para reforçar as redes sociais e diminuir as situações de isolamento social, argumentam. O cumprimento destes objectivos, implica, contudo, concepções arquitectónicas muito diferentes das actuais, com áreas de construção maiores. E se o arquitecto for de renome, melhor ainda. O impacto que teve em Seattle um edifício concebido por Rem Koolhaas é habitualmente citado como prova de que uma biblioteca pode ajudar a revitalizar comercialmente uma zona.
O PÚBLICO questionou Catarina Vaz Pinto sobre o montante necessário para fazer face a todos os encargos previstos no programa estratégico da Câmara de Lisboa, uma vez que o documento condiciona grande parte da sua execução às disponibilidades financeiras e orçamentais do município. Os serviços camarários não responderam nem a esta nem a várias outras perguntas, alegando não ser este "o momento oportuno" de revelarem essas informações, uma vez que o assunto será discutido na quinta-feira.