Há uma cidade holandesa interessada no cinema português

O Festibérico, um festival de cinema português e espanhol em Delft, na Holanda, começa esta quinta-feira, dia 19

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A Estrada de Palha

O cinema português e espanhol chega esta quinta-feira à bela Delft, a cidade holandesa onde nasceu Vermeer, o famoso pintor flamengo. Ruazinhas recortadas por canais ligados por pontes, uma paisagem quase intacta que nos transporta para outros tempos, tempos de ouro e de descobertas. Na Doelenplein (Praça Doelen), no centro histórico da cidade, fica a cinemateca Lúmen, ali encaixada entre o pequeno hotel Plataan e os cafés irresistíveis e acolhedores.

Pieter van Haeften é o holandês da Lúmen, apaixonado por cinema e que faz parte da organização do Festibérico desde a génese. Apesar de entusiasta, dizia-me ele, que ainda lhe é estranho juntar no mesmo festival dois tipos de cinema tão diferentes, mas a verdade é que o público de Delft recebeu tão bem esta mostra bienal que o Festibérico já vai na 8.ª edição.

Pieter van Haeften é quem faz a ponte entre o Lúmen e o "salero" sul europeu do comité português e espanhol. Eu também não sabia que os portugueses tinham "salero" até conhecer os holandeses. Na mesa redonda de reuniões, metade é composta por portugueses e a outra metade por espanhóis. Mas a língua em que comunicam é a inglesa, embora não haja um único nativo na sala. Pode parecer confuso, mas só assim funciona. Num ajuntamento que, a ser reproduzido em tapeçaria, se assemelharia à Última Ceia, sem ceia, as reuniões começam após o jantar.

Na última reunião em que estive, já os filmes tinham sido escolhidos e confirmados, para além de afinar o "website" e mil e uma tarefas, era preciso escolher o filme certo para o dia e a hora certos — uma ginástica diplomática que envolve quase trinta filmes de Portugal e de Espanha. Na edição deste ano, o Festibérico abre com o filme “No Habrá Paz para Los Malvados”, o grande vencedor dos prémios Goya de 2012.

Entre ficção, documentários, longas e curtas metragens e cinema de animação, tudo se mostra em dez dias. Nesta edição não faltarão “Sangue do meu Sangue”, de João Canijo, ou “Mistérios de Lisboa”, de Raul Ruiz, entre muitos outros. Mas a primeira sessão do festival, em Português, é de Rodrigo Areias, o realizador convidado, que traz na mala “Estrada de Palha”, um "western" à portuguesa e a curta-metragem “Golias”.

O promissor realizador vem juntar-se à galeria de profissionais desempoeirados do cinema que chegam a Delft e se espantam com o interesse dos holandeses pelos seus filmes. É este intimismo que faz do Festibérico o maior festival de cinema estrangeiro da cidade, num evento acolhedor ou, como diriam os holandeses: “Gezellig”.

Não sei se é do vento do norte ou da falta do sol, a verdade é que aqui ninguém se queixa da falta de dinheiro para o festival. Nem os portugueses. O Festibérico é quase todo pago pela bilheteira. O comité espanhol ainda recebe alguns subsídios de instituições espanholas, mas, de resto, não há mecenas, só boa vontade, pois toda a organização é feita por voluntários cujas idades andam entre os 35 e 40 anos. 

Numa cidade de 100 mil habitantes, cerca de um quarto está ligada à universidade técnica de Delft, a maior e mais antiga universidade técnica pública da Holanda e é de 1500 a média de pessoas a assistir ao festival.

Economia, colapso, "troika", não são assuntos para a mesa redonda das reuniões do Festibérico. Nem Pieter, o único holandês à mesa, se atreve a mexer nas feridas da economia ibérica. Enquanto o mundo acaba lá fora, há ainda muita coisa para fazer e de Espanha e Portugal, os maus ventos só trazem bom cinema.

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