Escola da Fontinha: os ideais não se despejam

Um movimento fez o Bairro da Fontinha voltar a ser um bairro onde jovens, adultos e idosos se sentem confortados. Estes ideais, por muito que tentem, não se podem despejar

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Nelson Garrido

O Porto tem muitos bairros. Um deles é conhecido como o Bairro da Fontinha. Como em tantos outros bairros por esse país fora, neste também existem edifícios, públicos e privados, abandonados e em ruínas. Um desses prédios lá do bairro é, por acaso, uma escola primária (fechada há cerca de cinco anos), onde o lixo, a falta de conservação e o abandono evidente transmitiam uma imagem desoladora. Há pouco mais de um ano, um grupo de pessoas, cansado de tanta exclusão, de tanto desleixo e de tanta marginalidade, resolveu ocupar a escola. Não pediu autorização a ninguém. Entrou simplesmente, num domingo à tarde.

Autodenominou-se Espaço Colectivo Autogestionado do Alto da Fontinha e foi criando um projecto de dinamização daquele espaço – o Projecto Es.Col.A. os seus membros limparam, pintaram e recuperaram. Organizaram grupos de trabalho para diversas áreas, desenvolveram inúmeras actividades e devolveram a escola aos seus verdadeiros donos – as gentes do bairro.

Esta manhã, a Polícia de Segurança Pública do Porto, executando uma ordem de despejo da Câmara Municipal do Porto (CMP), forçou a desocupação da Escola da Fontinha. O que se passou durante esta quinta-feira foi amplamente relatado nas televisões e nas redes sociais: a desproporcionalidade da força policial enviada para a escola (cerca de 100 agentes) para o número de activistas e de moradores “resistentes” (pouco mais de 30); os confrontos; as detenções; o desmantelamento da escola, a retirada do mobiliário e dos equipamentos; os protestos e as manifestações.

Estive esta quinta-feira, ao início da tarde, junto da CMP. Vi muita gente nova, com tambores que, bem alto, iam percutindo. Vi também pessoas adultas com o mesmo sentimento de revolta dos mais novos face ao sucedido. Falei com alguns dos manifestantes. Senti-lhes a tristeza na voz, o desalento pela incompreensão da CMP. Caminhei no meio deles, ouvi as frases de ordem, li os textos indignados nos cartazes improvisados em caixas de cartão.

Um dos manifestantes perguntou-me o que diziam os meios de Comunicação Social sobre o que estava a acontecer – a grande preocupação era a de que se percebesse bem que o que estava a ser feito contava com o apoio da população do bairro.

Nenhum dos manifestantes usava fato e gravata. Nem um dos manifestantes trazia consigo uma pasta de couro. Mas, do que vi, ouvi e senti, não precisavam disso para nada. Muito mais do que a imagem que transmitimos, é aquilo que fazemos que revela quem nós somos.

Este movimento “autónomo, autogestionado, livre, não discriminatório, não comercial e aberto a diferentes actividades”, fez o Bairro da Fontinha voltar a ser um bairro, com solidariedade, com apoio social e comunitário, onde jovens, adultos e idosos se sentem amparados, confortados e protegidos. Estes ideais, por muito que tentem, não se podem despejar.

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