Novo mapa do cancro da mama publicado por cientistas portugueses

Foto
A descoberta pode mudar a forma como o cancro da mama é tratado Foto: Carlos Lopes/arquivo

Esta nova geografia do cancro da mama é publicada nesta quarta-feira na edição online da revista Nature. Com o novo mapa, será possível mudar a forma como estes tumores são diagnosticados e tratados.

“É o maior estudo alguma vez feito no cancro da mama e em qualquer tipo de tumor”, nota Carlos Caldas, admitindo que os resultados obtidos podem significar um marco importante nesta área. O significado destas conclusões é reforçado pelo “rigor, pelo número de casos estudados, mas também pelo facto de os tumores estarem associados à informação clínica do doente”, justifica este investigador português a trabalhar na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Carlos Caldas é co-autor do artigo publicado na Nature com outro cientista português, Samuel Aparício, radicado no Canadá, onde trabalha na Agência do Cancro da Colúmbia Britânica, em Vancôver. A equipa conseguiu classificar o cancro da mama em dez subtipos biológicos, agrupados pelas suas características genéticas comuns e relacionados ainda com os prognósticos prováveis.

Actualmente, no diagnóstico destes tumores, explica Carlos Caldas, são usados dois marcadores genéticos, que permitiam classificar o cancro da mama em quatro tipos diferentes. “Com o nosso artigo, sabemos agora que são dez tipos e não quatro.” Os investigadores encontraram ainda novos genes que não tinham sido antes relacionados com o cancro da mama e que foram agora directamente associados a estes tumores e que, assim, se tornam alvos do desenvolvimento de novos fármacos. Para que este avanço seja possível, a equipa vai disponibilizar esta nova informação ao mundo.

Samuel Aparício também alinha na metáfora do novo mapa do cancro da mama, mas acrescenta mais uma imagem a esta descoberta: “Os casos estudados servem como os primeiros capítulos de uma ‘enciclopédia genética’ do cancro da mama.”

Às duas mil amostras de tumores, a equipa juntou o acompanhamento clínico dos doentes. “Todos são seguidos há pelo menos cinco anos, 80 por cento são há dez anos e temos ainda uma significativa percentagem seguida há 15.” Este elevado número de casos estudados torna-se ainda mais importante se tivermos em conta que o cancro da mama é o tumor sólido mais heterogéneo que conhecemos, nota Carlos Caldas.

Samuel Aparício acrescenta ainda que o facto de ter sido possível estudar as mutações genéticas em conjunto com a actividade (ou expressão) dos genes permitiu “ver fenómenos como, por exemplo, a reacção imunitária contra o tumor”.

Além da nova classificação dos subtipos de cancro da mama e da descoberta de novos genes ligados a esta doença, os investigadores conseguiram desvendar a relação entre estes novos genes e os já conhecidos mecanismos que controlam o crescimento e a divisão das células. Este conhecimento pode ajudar a perceber como é que estas alterações genéticas afectam os processos celulares.

E agora? Sequenciar os genes de todos estes tumores seria algo impraticável, mesmo com as melhores tecnologias e todos os laboratórios do mundo a trabalhar nisso. Assim, segundo Carlos Caldas, a equipa optou por “pegar nos 150 genes mais frequentemente mutados nestes tumores e sequenciá-los nos dois mil casos que fazem parte deste estudo”. Com este trabalho, esperam ainda conseguir obter muita informação nova, designadamente sobre a caracterização molecular dos vários tipos de cancro da mama.

Apesar de Samuel Aparício admitir que este planeta pode esconder mais continentes, Carlos Caldas prefere centrar-se nos dez desvendados agora. “Este será o novo mapa, com dez continentes, a que nos vamos dedicar”, afirma. “Até agora, andámos um pouco a navegar às cegas, agora que sabemos onde estão os dez continentes, vamos poder criar melhores estratégias de tratamento”, refere Carlos Caldas, exemplificando que alguns dos subtipos biológicos dos tumores da mama descobertos têm um prognóstico tão favorável que poderemos estar a tratar algumas mulheres em excesso. Ou seja, há subtipos de cancros da mama que podem eventualmente ser resolvidos apenas com o recurso a cirurgia, sem necessidade de submeter as mulheres a quimioterapia e radioterapia.

O que significa que também haverá subtipos de tumores agora identificados que se revelam verdadeiras sentenças fatais? “Sim, é verdade. Funciona para os dois lados”, admite Carlos Caldas. “Para esses casos, o conhecimento da biologia dos tumores é o primeiro passo para discutir novos tratamentos.”

Sobre um possível aumento das amostras estudadas, Carlos Caldas pisca o olho à colecção de 11 mil cancros da mama (embebidos em parafina) que existe na Universidade de Cambridge e abre a porta à possibilidade de inserir estes casos no estudo, ainda que a análise de amostras preservadas desta forma tenha mais limitações do que as usadas até agora, que são congeladas de fresco. Talvez com esta contribuição embebida em parafina seja possível a descoberta de novos continentes neste temível planeta do cancro da mama.

Há uma semana, esta dupla de cientistas foi notícia com a publicação de outro artigo na Nature sobre a diversidade genética de um tipo de cancros da mama (chamados “triplo negativos”). Ontem, Carlos Caldas não escondia a satisfação com os resultados obtidos com esta parceria e fez questão de deixar um apelo engraçado: “É importante que falem que somos portugueses e que, os dois, temos muita honra nisso”. Recado entregue.

Sugerir correcção
Comentar