Mad Men, o charme discreto da nostalgia
Fenómeno de culto devido a um glamour modernista, é como a última oportunidade de desfrutar, sem culpa, de um ideal, antes do mundo mudar. Por Jorge Mourinha
Nostalgia. É delicada, mas potente." A frase é dita por Don Draper (Jon Hamm) no final da primeira temporada de Mad Men (2007-2012; RTP-2 e Sundance HD), a série televisiva de Matthew Weiner ambientada no mundo da publicidade nova-iorquina na década de 1960. E com esta frase Weiner acertou na mouche do impacto retro de uma série que, por trás da imagem perfeita do sonho americano do pós-II Guerra, está a falar do seu reverso, como quem olha para os dois lados da moeda. E, contudo, é mais que evidente que Mad Men se tornou no fenómeno de culto que é devido em grande parte à reconstituição impecável de um glamour modernista - ou não decorresse no momento-charneira entre o we"ve never had it so good dos anos 1950 e a ascensão da contra-cultura dos anos 1960. Um pouco como se esta fosse a última oportunidade de desfrutar, sem culpa, de um ideal americano, antes do mundo mudar - e, a esse nível, não estamos tão longe de um produto aparentemente nos antípodas de Mad Men como Downton Abbey (2010-2012, Fox Life e SIC), a série de época de Julian Fellowes que se passa igualmente na mudança de eras que rodeou a I Guerra.
Weiner, no entanto, nunca quis fazer de Mad Men uma celebração nostálgica do passado, como fica ambiguamente explícito na proposta de Don Draper aos executivos da Kodak: é a emoção subjacente à nostalgia que se quer acordar, o propôr uma experiência mais do que um consumo, uma mundivisão mais do que um conceito. George Steiner falou em tempos, no seu ensaio No Castelo do Barba-Azul (Relógio d"Água), dos "anos dourados" irrecuperáveis em que o tempo acaba por moldar o passado; a verdade esconde-se no desfasamento que a memória constrói entre artifício e realidade, forma e função, onde um conforta e outro revela. O passado foi lá atrás, mas continua relevante para os nossos dias. Mad Men procura a universalidade de uma dúvida e de um questionamento social no quadro de um drama de época, utilizando inteligentemente a seu favor os artifícios da publicidade ("inventada" na precisa época em que tudo se passa) para permitir um olhar "revisionista" (o que não é o mesmo que dizer "politicamente correcto").
O sucesso de séries que mostram ser igualmente impecáveis na sua reconstituição de época como Downton Abbey ou a lusa Conta-me como Foi (RTP-1, 2007-2011, adaptada de um original espanhol) reside no apelo puramente nostálgico de um passado mais "simples", de modo mais reconfortante e confortável, mais neutro e menos revisionista, propondo uma experiência nostálgica com o seu quê de pedagógico no quadro de dramas familiares mais convencionalmente televisivos. Isso não as minimiza perante Mad Men ou perante o tour de force de Mildred Pierce (2011, Fox Life), a adaptação televisiva de Todd Haynes para o romance de James M. Cain que já dera um clássico do melodrama hollywoodiano com Joan Crawford. Mas ajuda a definir diferenças de abordagem entre uma visão mais tradicionalmente televisiva e uma outra que transcende os cânones de acordo com a ascensão do drama adulto possibilitado pela maior liberdade dos canais de cabo americanos (Mad Men, Mildred Pierce).
Não esquecer que, desde o seu primeiro filme - a proibida história de Karen Carpenter filmada com Barbies, Superstar (1987) - que Haynes sempre usou o passado e o filme de época como revelador de recantos, lupa que amplia o que ficou por dizer, modo de encontrar no passado as origens do presente, usando o género como catalisador; pense-se no que ele fez com o grande melodrama em Longe do Paraíso (2002, de certo modo um precursor de Mad Men ao injectar verdade no estilo) ou com o musical seventies em Velvet Goldmine (1998). Mildred Pierce é também isso - longe do glamour hollywoodiano da versão cinematográfica, devolver uma surpreendente dimensão modernista, e moderna, a esta história de mulher, tal como Weiner o faz às suas vidas de publicitários dos anos 1960 onde o sonho americano é uma fachada em dissolução. O retro pode ser apenas outro modo de falar de hoje, ou, como dizia José Mário Branco, do "que eu passei para aqui chegar".