PS: que oposição?

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O PSD e o CDS têm um problema com o Estado, acham-no mais ou menos dispensável ou na melhor das hipóteses, algo que tem que se aguentar queimando-lhe as gorduras, sem a noção de que as "gorduras" que queima são as pessoas, e a manterem-se as políticas actuais, darão cabo desse próprio Estado. O PS, por seu turno, tem tido um problema com as finanças públicas, algo que nunca foi levado a sério pelos socialistas. Durante o primeiro Governo de Guterres, toda a melhoria das contas públicas se deveu à descida dos juros, ou seja a factores externos ao Governo e ao país. Em 2001, após a derrota nas autárquicas, o seu Governo apresentou ainda o PEC 2002 que previa um equilíbrio orçamental para 2004! Na última década enquanto o PS esteve no Governo, oscilou entre duas posições, uma mais responsável, com medidas importantes como a reforma da segurança social de 2007 e outra mais irresponsável, quando mesmo depois de avisado da crise orçamental e do buraco financeiro de várias parcerias público-privadas (iniciadas pelo PSD!) e do excessivo endividamento público, obstinadamente continuou com esses projectos. Um partido não pode ter políticas sectoriais interessantes (nas áreas ambientais, de igualdade de oportunidades económicas e sociais, etc.), mas pô-las em causa, por negligência na gestão orçamental. Há, ainda hoje, responsáveis políticos do PS que defendem que as PPP eram todas necessárias. Quantas estatísticas será ainda preciso mostrar para tornar evidente que existe sobrecapacidade rodoviária? Há também, neste reescrever da história recente, quem nos tente convencer que tudo seria diferente se o chamado PEC IV tivesse sido aprovado. Algo seria decerto diferente, mas com ou sem PEC IV o resgate era sempre inevitável.

O PS tem uma dupla responsabilidade política enquanto principal partido da oposição. Primeiro, mostrar que aprendeu com o passado e que quer alterar a sua estratégia orçamental. Isso passará por várias medidas, entre as quais apoiar a constitucionalização do limite ao défice prevista no Tratado de Estabilidade Orçamental, a par de outras alterações constitucionais que contribuem para esse objectivo. O Tratado prevê um quase equilíbrio orçamental ao longo do ciclo económico (défice automático em recessão e excedente em expansão) e uma margem de manobra nula de agravamento do défice quando a dívida for elevada e alguma quando ela for baixa. Há várias razões para isso. Nas próximas quatro décadas teremos um processo de transição demográfica com envelhecimento acelerado da população, aumento de pensões e redução de contribuições sociais. Esta e outras pressões insuportáveis para o aumento do défice estão cá. Há dez anos que prometemos, em sucessivos PEC, que vamos equilibrar as nossas contas e nunca o conseguimos. Há 38 anos que temos défices! Dirão os críticos que o Tratado não resolve os problemas da União Europeia (crescimento e emprego), dificulta políticas anticíclicas, não lida com problemas essenciais da União (falta de integração política, orçamento residual, ausência de taxa sobre as transações financeiras). É tudo verdade, o que significa que esses temas deverão também estar sobre a mesa. Deve haver medidas para o crescimento e emprego mas também uma maior integração política. O que os críticos não percebem é que este Tratado é um passo no caminho dessa integração. É legítimo pensar que certos países aceitarão uma maior integração política no sentido do federalismo, um maior orçamento europeu, e mesmo a taxa Tobin, para um nível moderado, mas não excessivo, de redistribuição territorial à escala europeia (não é por acaso que a Inglaterra ficou de fora, pois não se quer submeter a nada disto). O PS, se defender apenas a introdução de regras do Tratado na Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), não está a defender nada. Essas regras, no essencial, já estão inscritas na LEO. Constitucionalizar é sobretudo trazer simbolicamente para a nossa lei fundamental uma determinação em maior disciplina orçamental.

A responsabilidade do PS neste momento passa também por mostrar as alternativas onde elas são possíveis e desejáveis. Por exemplo, mostrar que é possível, agora sim, devolver um salário e um subsídio, aos funcionários e pensionistas já em 2013, não em 2014, 15 ou 16 (quando terminar a ajuda financeira do eventual segundo resgate), sem que isso ponha em causa a consolidação orçamental. Se o fizer, o PS estará a mostrar que é importante salvar o Estado da desmotivação e da sangria dos seus quadros mais qualificados, e que o sector público tem a mesma dignidade e importância que o privado na renovação do país. Se o PS quer construir-se como alternativa deverá saber onde deve cooperar com o Governo e onde afirma a sua diferença.

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