Nuvem de poeira do deserto atinge Portugal até segunda-feira

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As partículas de pó invadiram o território nacional na passada sexta-feira Paulo Pimenta

Se nos últimos dias sente a garganta seca e os olhos a lacrimejar, a culpa pode ser das poeiras vindas do Norte de África que pairam sobre o nosso território. Não é a primeira vez nem será a última que Portugal recebe este pó do deserto soprado pelos ventos. Porém, desta vez, o fenómeno estende-se além dos normais dois ou três dias para um período de mais de uma semana. Por outro lado, as medições dos especialistas estão também a registar níveis elevados destas partículas à superfície - mais perto de nós -, o que, apesar de não ser inédito, é considerado invulgar. Sem razão para alarme, os idosos, crianças e pessoas com problemas respiratórios devem, porém, proteger-se, avisam as autoridades de saúde.

As minúsculas partículas de pó vindas do Norte de África - a acção do vento em regiões áridas pode fazer com que as partículas mais finas sejam transportadas a longas distâncias, viajando mais de cinco mil quilómetros - invadiram o território nacional na passada sexta-feira. No dia seguinte à chegada da nuvem, a chuva apanhou o pó no ar e acabou por manchar carros estacionados nas ruas, tornando o fenómeno mais visível. Esta "chuva suja" - ou "chuva vermelha", como lhe chamam os especialistas - deverá repetir-se amanhã ou sábado, se as previsões do Instituto de Meteorologia estiverem correctas.

Francisco Ferreira, coordenador da área do ar do departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL), nota que o "fenómeno meteorológico de baixa pressão localizado sobre a Argélia já se dissipou e as partículas em suspensão que influenciam o território nacional são residuais, por permanecerem na atmosfera em circulação". Assim, acrescenta, "a intensidade deste fenómeno natural já está a decrescer e, segundo os dados mais recentes, a sua influência pode fazer-se sentir em Portugal continental e arquipélago da Madeira até segunda-feira".

Ontem, os níveis de poluição por partículas em suspensão observados mantinham-se ainda no nível médio. Francisco Ferreira confirma que este fenómeno é frequente, mas sublinha que, "normalmente, dura dois ou três dias" e que, desta vez, está a prolongar-se um pouco mais. "A persistência dessas concentrações elevadas pode afectar as pessoas mais sensíveis", refere, considerando que se justificava um aviso à população (ver caixa).

Natural e menos nociva

Apesar de notar que esta poluição atmosférica de fonte natural não é tão nociva como a que resulta da actividade humana - como, por exemplo, a provocada pelo tráfego automóvel -, Francisco Ferreira recomenda alguns cuidados às pessoas mais sensíveis. O especialista lembra ainda que os índices de qualidade do ar podem ser consultados no site da Agência Portuguesa do Ambiente (um trabalho no qual participa numa parceria com a Universidade de Aveiro). "Todos os dias é possível consultar ali a qualidade do ar, cidade a cidade", nota. O Governo já garantiu que a Agência do Ambiente está a acompanhar a evolução do nível de poeiras no ar e ontem mesmo a Direcção-Geral da Saúde lançou no seu site um alerta com várias recomendações à população.

De acordo com a legislação comunitária, só pode haver 35 dias por ano com valores acima do limite máximo (50 microgramas por metro cúbico) para as partículas em suspensão PM10 (partículas inaláveis com diâmetro inferior a 10 milésimos de milímetro). Este ano, desde sexta-feira, os valores ultrapassaram esse limite máximo durante vários dias, rondando actualmente os 60 e 70 microgramas por metro cúbico, numa média diária. O "excesso" foi mais notado no fim-de-semana, quando outras fontes de poluição são menores e as estações de medição continuaram a registar valores elevados.

A nuvem desceu à terra

"Não é normal a um sábado e a um domingo, em que há muito menos tráfego rodoviário, existir uma ultrapassagem do valor limite diário de partículas em estações de monitorização de norte a sul", confirma Francisco Ferreira. Ainda assim, a situação actual está muito longe do episódio registado em 2009, que afectou a qualidade do ar durante 141 dias.

Maria João Costa, especialista na área de meteorologia e clima do Centro de Geofísica de Évora, não trabalha com modelos de previsão mas com equipamentos capazes de medir os níveis de concentração destas partículas em altitude e à superfície. Segundo explicou ao PÚBLICO, desta vez, "o mais fora do normal é que estes níveis elevados que normalmente são detectados a quatro ou cinco quilómetros de altitude desceram até à superfície". Logo, as poeiras estão mais perto de nós e serão mais facilmente inaladas pelo sistema respiratório.

De resto, a especialista nota que as imagens de satélite registam "uma grande tempestade que envolve o transporte destas poeiras", mas que se dirige agora para o Atlântico Oeste, fazendo com que Portugal seja apenas "ligeiramente afectado".

O que fazer?

Se juntarmos as poeiras do Norte de África ao tempo seco e à Primavera com os pólenes à solta, temos o cenário ideal para um aumento de problemas respiratórios (sobretudo asma) e alergias na população portuguesa.

Porém, Paulo Diegues, chefe da Divisão de Saúde Ambiental da Direcção-Geral da Saúde (DGS), refere que "não há qualquer razão para alarme". "As pessoas devem fazer a sua vida normal e as mais vulneráveis [crianças, idosos e as pessoas com problemas respiratórios] devem simplesmente evitar situações como fazer esforços físicos intensos ao ar livre", diz.

"Não registámos um aumento de procura dos serviços de urgência", assegura Paulo Diegues.

A DGS emitiu já ontem ao final da tarde um comunicado sobre os cuidados a ter. O Hospital de Faro confirmou também "uma actividade normal e com números diários equiparados aos períodos homólogos dos anos anteriores" nos serviços de urgência.

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