Aos 53 anos ainda consegue seduzir quem tem 20?
Madonna lança hoje um novo álbum, e um novo álbum de Madonna continua a ser um acontecimento global. Ela é o derradeiro exemplo do ícone pop universal da era em que a pop se tornou transgeracional. E não uma cultura só para jovens
Sai hoje o novo álbum de Madonna, MDNA, e toda a gente se interroga se conseguirá manter a aura de sucesso, numa altura em que existem cada vez menos superestrelas com superêxito.
Os meios fragmentaram-se, as audiências dispersaram-se, impôs-se a teoria da classe média: os pequenos já não são tão pequenos, os grandes são menos grandes. E é cada vez mais difícil encontrar músicos de impacto global para multidões.
Madonna, os U2 ou os Rolling Stones são algumas das excepções que confirmam o estilhaçar de expressões e públicos. No caso da cantora preferida da geração MTV nos anos 1980, a questão que se coloca é se ela conseguirá conquistar os públicos parcelários e pulverizados da geração YouTube.
A diva camaleónica já não provoca escândalos causadores de paixões e ódios como no passado e está pressionada pela competição da erótica Rihanna, da elegante Beyoncé, da sofisticada Lana Del Rey e da provocadora Lady GaGa. Mas mais uma vez vai tentar mostrar que continua a ser a mais desejada.
Em termos sonoros, o novo álbum aponta para as pistas de dança. Os dois últimos (Confessions on a Dance Floor, de 2005, e Hard Candy, de 2008) também o faziam, mas em MDNA essa aposta é mais evidente. Hoje é uma pragmática. Antes Madonna sabia o que estava a acontecer, exactamente no momento antes de acontecer. Hoje sublinha factos consumados. O que não tem que ser visto como negativo.
Tal como a música, o imaginário difundido pelo novo disco é físico e musculado, com sugestões voluptuosas à mistura. As fotografias de promoção e as letras das canções, com algo de catártico em relação à separação em 2008 de Guy Ritchie, voltam a mostrar uma cantora provocadora, longe da imagem da segunda metade dos anos 1990, quando encarnou Evita, se converteu à Cabala, escreveu livros infantis, utilizou mensagens humanistas e politizadas, teve filhos e se casou.
Os álbuns Music (2000) e American Life pareciam constituir a expressão desse período. Eram maduros. Coincidência ou não, os três últimos discos denunciam um regresso ao passado, quando parecia existir na sua actividade um propósito mais transgressor. Resta saber se fará sentido apostar nessa via hoje.
Fala-se com gente na casa dos 20 anos e as visões sobre ela são diversas. "Já teve o seu tempo, é mais para os meus pais que sempre a ouviram", diz-nos Cátia Vasques, de 19 anos, que se confessa mais próxima de Beyoncé. "Claro que continua a fazer sentido", riposta por sua vez a amiga Mariana Ruela, 20 anos, que olha para ela como um ícone: "Se não fosse ela, a Beyoncé ou a Rihanna nem sequer existiam, temos de a respeitar."
E os pais destas duas raparigas? Bem, também eles ouvem Madonna. O que não espanta. Se até aos anos 1980 "ser jovem" era uma idade, agora é uma "ideologia." Ou seja, aquilo que definia o "ser jovem" atravessa agora todas as idades.
"A geração baby-boomer cresceu a pensar que a sua identidade residia na juventude. Crescia-se com essa ideia de que tínhamos de parecer, agir e vestir como se tivéssemos sempre 20 anos. Não sei se é mau, nem me parece que seja recusa de crescer, mas cria um problema para os jovens que são, realmente, jovens. De repente, toda a gente é "jovem". Quer dizer, com nuances, consumo a mesma música que os meus filhos. A diferenciação entre nós é cada vez menos nítida."
Há dois anos era isto que nos dizia o americano Lawrence Grossberg, um dos mais importantes pensadores de Estudos Culturais, responsável por nos anos 1960 ter levado a "cultura jovem" para as universidades. E, claro, faz sentido. É cada vez mais difícil para quem tem 20 anos demarcar-se de pais e avós.
Quantas vezes é que ouvimos que a música pop é feita por jovens, é para jovens e é sobre o que é ser jovem? Tantas que já nem nos interrogamos se é mesmo assim. E na verdade, não é. Há muito tempo. Os discursos, as leis do mercado e os meios de comunicação insistem na ideia. Mas a realidade é bem mais complexa. A verdade é que, na actualidade, a pop é transgeracional. Já não são apenas os músicos da clássica ou do jazz que podem ser veteranos. Ainda há semanas, Lou Reed e John Cale, dois históricos do rock, completaram 70 anos.
O público, esse, é também cada vez mais transgeracional. Um facto que nada tem de surpreendente. Afinal, a pop e o rock, e as formas culturais a eles associadas, já passaram os 50 anos. Naturalmente, os músicos e os consumidores, e as sucessivas gerações que foram crescendo com o fenómeno, também foram envelhecendo. Barack Obama ouve Beyoncé. David Cameron cita os The Smiths no Parlamento inglês. A pop não só se tornou um fenómeno para todas as idades como perdeu a aura transgressora. Mas a verdade é que, do ponto de vista do senso comum, continua a existir a ideia de que a música e a cultura pop continuam a ser uma forma de expressão da juventude.
"Nos anos 60 e 70 os gostos musicais definiam quem éramos e o que queríamos ser", expõe Lawrence Grossberg. Entre a segunda metade dos anos 1950 e o final dos anos 1970, criar ou consumir pop era intitular- -se jovem. Era fazer parte de uma revolução. Participar no movimento histórico. A pop tinha alcance social. Concedia identidade. Agora, a realidade é mais complexa.
O jornalista e ensaísta canadiano Carl Wilson, brincando com o desfasamento entre a realidade e os discursos sobre o rock, dizia-nos: "Os netos de Mick Jagger já se habituaram a ouvir o avô gritar para milhares de pessoas Let"s spend the night together. Nós é que ainda não nos habituámos a essa ideia. Mas hoje nunca se sabe quando é que o nosso avô pode subir a um palco de guitarra em punho. Quer dizer, nos últimos anos tornou--se normal. Já não vale a pena ficar embaraçado."
Qualquer coisa de semelhante nos dizia Bryan Ferry, 67 anos, em entrevista: "As audiências mudaram muito. São uma estranha mistura. O ano passado vi Bob Dylan e aquilo era uma grande mistura de gerações. Acontece o mesmo comigo, creio. É bom. Vi a primeira grande digressão do rock & roll com o Bill Halley & His Comets. Ganhei um bilhete, numa competição de rádio, e fui ver o concerto com a minha irmã. Foi inesquecível! A audiência era só teddy boys e toda a gente em loucura. Foi a primeira digressão de um músico rock. Nessa altura, sim, era música para adolescentes. Agora não. É como o jazz ou os blues. Recordo-me de, na adolescência, ouvir Duke Ellington e de pensar - estes tipos são velhos, mas que música fantástica! É isso que interessa."
O facto de Ferry ser homem, e de provir do rock, contribuiu para que a sua idade seja encarada com mais naturalidade. No caso de Madonna, mulher, e da pop, não é tão linear. Não é por acaso que as fotos promocionais do novo álbum, de cariz erotizante, em que a cantora denota uma boa forma física, provocaram uma avalanche de comentários, assentes nessa ideia de que teria dificuldades em assumir a idade. Como se o erotismo de outrora fosse hoje apenas aeróbica.
Certo é que, nos próximos meses, uma das figuras públicas mais simplificadas na amplitude do seu trabalho vai continuar a dominar o espaço público. E não é difícil perceber porquê. Apesar das mudanças à sua volta, continua a ser a fantasia preferida de milhões, espelho da moda, mulher de negócios, promotora, produtora de imagens, um fenómeno global e uma entidade estética, cujo elemento-chave, o elemento que a todos determina, é a música.
Ela está habituada a contradições. Afinal, quando começou, nos anos 1980, parecia ser o protótipo da estrela plástica, descartável e efémera. E ainda hoje existe muita gente que olha para ela dessa forma. A ironia reside no facto de ela ser, provavelmente, a última grande resistente dessa época. Ou seja, o derradeiro exemplo do ícone pop durável e universal.
Claro, já não transgride. Pelo contrário, como reflecte o ensaísta francês Benoit Sabatier, em Nous Sommes Jeunes, Nous Sommes Fiers, "mulheres como Madonna contribuíram para transformar a transgressão na nova norma social". Ou seja, faz parte da galeria de rebeldes aceitáveis sem grandes problemas. O que traduz uma evidência: a pop na última década ampliou a sua base de temas e referências. Hegemonizou-se, mas também se estilhaçou por completo. Transformou-se num imenso guarda-sol que abarca diferentes vozes, estilos, perspectivas, narrativas e protagonistas. Antes parecia ser apenas capaz de registar os rituais de passagem para a vida adulta. Hoje tudo se confunde. Está lá tudo, da crise da meia- -idade à maturidade. É só escolher. Madonna ou não Madonna.