Há um novo centro de arte contemporânea para ver em Lisboa
São cerca de 500 obras de artistas portugueses e estrangeiros compradas pelos irmãos Miguel e Manuel Rios. O centro abre hoje em Alvalade com uma exposição dedicada a Francisco Tropa
Abrir colecções privadas ao público é um gesto raro em Portugal, onde, normalmente, os coleccionadores privados preferem manter o anonimato e o conhecimento das suas aquisições circunscrito a um núcleo restrito de pessoas. Miguel Rios (n. 1965) e o irmão, Manuel Rios (n. 1963), tomaram outra opção: inauguram e abrem hoje ao público, em Lisboa, um centro de arte contemporânea com uma colecção de cerca de 500 obras, maioritariamente de artistas portugueses de diferentes gerações.
Num antigo armazém industrial, típico da zona de Alvalade, criaram uma sala de exposições com zonas de depósito e acervo. Em vez de exposições colectivas, como é mais comum em espaços com estas características, a programação pensada até 2013 prevê exposições dedicadas a sucessivos núcleos de obras de um único artista da Colecção Leal Rios, que começaram a construir há 12 anos.
Não é a primeira colecção privada portuguesa em que a arte nacional é central - a primeira foi a de António Cachola, que se divide entre o Museu de Elvas e o Museu do Chiado. Mas há muito poucos outros exemplos de colecções para as quais foram criadas espaços de exposição permanente e são, em geral, mais institucionais: a Fundação Ellipse, em Cascais, cuja colecção foi iniciada como centro de investimento em arte; o Centro de Arte Manuel de Brito, em Algés, criado pela Câmara de Oeiras para acolher a colecção do galerista Manuel de Brito...
Miguel e Manuel Rios não seguem uma orientação académica ou histórica nas suas aquisições, que, como diz Miguel Rios, decorrem dos interesses e entusiasmo de ambos. Manuel Rios, economista a residir em Angola, foi convencido a tornar-se coleccionador pelo seu irmão Miguel, designer. Uma colecção comum não significa, porém, as mesmas preferências: "A mim", diz Miguel Rios, "interessa-me mais o aspecto experimental, a linha mais dura. O meu irmão, talvez por ser mais cauteloso, prefere coisas mais ortodoxas." Diferenças que não invalidam o diálogo e a satisfação mútua.
As compras - cujos valores não revelam - não começaram por ser feitas a pensar na colecção, mas por entusiasmo: "Em 2000, comprei um desenho do Álvaro Lapa de 1969 e pude dar expressão a um gosto que sempre tive. Depois comecei a querer comprar mais e a coisa foi crescendo. Não iniciei uma colecção, mas comecei um percurso baseado no interesse pela arte contemporânea. E a colecção foi nascendo." No início, a colecção deu expressão à vontade de Miguel Rios de "saber por que razão aqueles artistas tinham feito aqueles trabalhos e que influências tinham tido, por que razão utilizavam aqueles materiais específicos, etc."
A partir de 2005 perceberam que as escolhas teriam de ser mais reflectidas e decidiram-se por uma colecção de arte portuguesa contemporânea contextualizada e em confronto com alguns artistas internacionais. "Para comprar arte não se pode só seguir o impulso, é preciso cruzar obras e a contextualizá-las."
Foi a partir desta maior racionalidade e maturidade que surgiram artistas estrangeiros tão reconhecidos como Matt Mullican (n. EUA, 1951), John Baldessari (n. EUA, 1931) ou Lawrence Weiner (n. EUA 1942), mas mantendo sempre a relação de proximidade e de contexto com a arte portuguesa.
A colecção tem diversos princípios, temas e orientações; inclui muito desenho, vídeo, escultura e instalação. "Há várias linhas condutoras: artistas portugueses, depois artistas internacionais que pudessem contextualizar a arte portuguesa, depois foram as próprias obras que ditaram as que se seguiram." José Pedro Croft (n. Porto, 1957), Pedro Cabrita Reis (n. Lisboa, 1956) e Rui Sanches (n. Lisboa, 1954) têm um significado especial para o coleccionador: "Eu era fascinado por estes escultores." E pode dizer-se que este é o núcleo seminal. A par deles surgem artistas como Vasco Araújo (n. Lisboa, 1975), Adelina Lopes (n. Braga, 1970), Rui Toscano (n. Lisboa, 1970), Julião Sarmento (n. Lisboa, 1948) ou João Penalva (n. Lisboa, 1949).
Cada um deles está representado não com obras isoladas, mas com um núcleo coerente de trabalhos: "Não me interessa ir buscar obras isoladas, mas procurar daquele artista todas as coisas que conseguir", diz Miguel Rios. A ideia é construir uma visão em profundidade dos autores.
A escolha, para a inauguração do novo espaço, foi Stela, de Francisco Tropa (n. Lisboa, 1968), com peças desde 1990, ano de estreia de Tropa no circuito expositivo, até obras apresentadas na última Bienal de Veneza de 2011. Escolher um português para marcar o início do percurso da fundação expressa o lugar central que a arte portuguesa contemporânea terá no centro, mas também sublinha a importância da presença da arte portuguesa no exterior. Expõem este artista "num momento em que se quer acabar com a Representação Oficial Portuguesa na Bienal de Artes de Veneza": "Com isto queremos recordar a importância dessa participação na bienal de arte mais importante do mundo."
Quem hoje visitar a Fundação Leal Rios vai poder - só desta vez - visitar os gabinetes, escritórios e armazéns. Depois, as visitas só vão poder fazer-se, às quintas e sextas-feiras, por marcação no site. A programação feita até 2013 será divulgada apenas hoje, durante a inauguração, mas a ambição é manter a fundação aberta e a crescer.
Este "é um ponto zero. Estou a repensar o que pode ser esta colecção [de futuro], mas quero sempre que a arte portuguesa seja o grande contexto".