Os congressos quentes do PSD no poder
Será que estar no Governo abafa a crítica interna? A memória prova que os congressos não adormecem um partido inquieto por natureza
O 34.º Congresso do PSD decorre com o partido, apoiado pelo CDS, no poder. Noutras reuniões magnas "laranjas" o mesmo ocorreu, mas os trabalhos não foram, por isso, mais pacíficos. Estar no Governo não compensa a digestão de maus resultados eleitorais, a evidência de uma estratégia recuada ou a previsão de um dramático vazio do poder.
"Alguns congressos, mesmo com o PSD na governação, são menos consensuais, porque se perspectiva um vazio de poder", afirma Carlos Jalali, politólogo e professor da Universidade de Aveiro. Não há uma crise aberta. Mas a transição de liderança ou um novo horizonte suscitam dúvidas. Basta revisitar a história. Entre 17 e 19 de Fevereiro de 1995, no declinar da "década cavaquista", no lisboeta Coliseu dos Recreios, o PSD viveu o que terá sido um dos seus máximos conclaves mais conturbados. Cavaco Silva não se recandidata à liderança partidária, quando as sondagens indicam o fim da sua era: 60,7% dos jovens eleitores consideram que o primeiro-ministro já não faz falta. A pugna a três - Fernando Nogueira/Durão Barroso/Santana Lopes - salda-se pela vitória do primeiro por 33 votos. Um triunfo com muito stress, frases célebres e golpes baixos. Foi então que Luís Filipe Menezes classificou como "sulista" a candidatura de Barroso e um telefonema anónimo alertou Nogueira para um acidente de automóvel do seu filho Paulo: era mentira. A luta dividiu o executivo, onde Durão era ministro dos Estrangeiros e Nogueira titular da Defesa. Estar no poder não foi conforto suficiente. O "povo "laranja"" adivinhava tempos difíceis para as suas cores. E acertou: António Guterres ganharia as eleições em 28 de Outubro.
Uma menor afirmação partidária gera também perplexidade. No 15.º Congresso, em Abril de 1990, na sequência das derrotas ao Parlamento Europeu e autárquicas, o PSD vai apoiar o segundo mandato de Mário Soares em Belém. Situação de "baixo perfil" para um partido desgastado pela acção executiva. Cavaco silencia as críticas internas, e Duarte Lima é eleito vice-presidente.
As dúvidas dos militantes
Existe uma outra variante. Em Novembro de 1992, no 16.º Congresso ecoam nas paredes do Pavilhão Rosa Mota, no Porto, as frases de alerta de Cavaco Silva: "A nossa grande luta é contra aqueles que querem bloquear o país." O mote contra as "forças de bloqueio", a oposição presidencial de Soares, levou ao rubro a militância.
"Os congressos servem também para marcar a estratégia política do Governo", explica Jalali. A que, no 24.º Congresso em 2002, se soma o rico imaginário "laranja". A reunião decorreu no Coliseu dos Recreios, palco onde Cavaco arrancara para a conquista da maioria absoluta. Nos tempos da "Convergência Democrática", de aliança do PSD com o PP, Durão Barroso queria seguir-lhe as pisadas. Anunciou "um projecto para uma década". Em Novembro de 2004 assumiu a presidência da Comissão Europeia. Como presidente da mesa do congresso, Dias Loureiro viu Marcelo Rebelo de Sousa ser o "bombo da festa" das críticas e ouviu os aplausos a Paulo Portas.
Portas que, no congresso posterior à partida de Barroso para Bruxelas, em Barcelos, a Novembro de 2004, esteve ausente na delegação "popular". Apesar de estarem no poder em coligação, os sociais-democratas criticam o PP e admitem concorrer sozinhos às eleições. Já com Miguel Relvas como secretário-geral - fora eleito em Oliveira de Azeméis - Santana Lopes é aclamado. Helena Lopes da Costa, sua apoiante, antevê um consulado até 2012. Mais uma vez, as previsões entusiasmadas não se cumprem: 13 dias depois do congresso, Santana apresenta a demissão do XVI Governo constitucional por ele presidido.
O "histórico" das reuniões magnas "laranja" confirma que o exercício do poder não é bálsamo suficiente. "O partido não está desatento às questões internas, quando o presidente do PSD está no Governo o secretário-geral é importante", refere Carlos Jalali. "É uma questão que vai ser interessante no 34.º Congresso", admite o politólogo.
"Em Portugal, o poder favorece a união da militância, mas há sempre margem para dúvidas", prossegue. "A reforma administrativa e o mapa autárquico, em véspera de eleições locais, bem como as políticas de austeridade podem ser temas", acentua o professor da Universidade de Aveiro. "Vamos ver como são acolhidos os discursos críticos e qual o comportamento dos cavaquistas", conclui Jalali.