Coptas egípcios preparam-se para um futuro diferente
Os cristãos choram a morte do homem que foi seu papa durante 40 anos. O sucessor nunca será como Shenuda III
Cem mil cristãos rezaram diante da Catedral de S. Marcos do Cairo na primeira noite de homenagem ao papa Shenuda III, líder de uma comunidade que representa 10% dos 85 milhões de egípcios. Shenuda morreu de ataque cardíaco aos 88 anos, depois de quatro décadas à frente da Igreja Copta Ortodoxa, estabelecida no século I e independente da Católica e dos ortodoxos orientais.
A imprensa egípcia lembra o homem que chefiou os coptas numa era de mudanças e que politizou a sua Igreja. Tanto ao divergir do Presidente Anwar Sadat (o que lhe valeu um exílio no mosteiro onde agora será sepultado) como ao aproximar- -se de Hosni Mubarak para conseguir que a Igreja tivesse maior controlo sobre a vida da comunidade.
Os coptas que agora acorrem à catedral do Cairo viam Shenuda III como um pai que sempre os protegeu em tempos difíceis. Até em Janeiro de 2001, quando o Egipto saiu à rua contra a ditadura e ele manteve o seu apoio a Mubarak, apelando aos coptas para permanecerem em casa.
No último ano, quando a comunidade sofreu um aumento dos ataques a igrejas, teve o mérito de manter a calma entre os seguidores. O mesmo depois de 9 de Outubro, quando uma marcha pacífica de coptas se transformou num massacre e 27 pessoas morreram na marginal do Cairo às mãos dos militares. Alguns não sobreviveram a bastonadas e balas, outros foram atropelados pelas rodas de um tanque, sete afogaram-se no Nilo. O Conselho Supremo das Forças Armadas, a autoridade máxima no Egipto desde a queda de Mubarak, acusou os manifestantes de terem provocado os confrontos com ataques aos soldados.
Alguns continuam a sentir-se ameaçados - as eleições legislativas de Novembro deram a vitória aos islamistas da Irmandade Muçulmana e um inesperado segundo lugar aos radicais salafistas (partidários da aplicação da lei islâmica a todos os campos da vida) - e, por isso mesmo, especialmente órfãos sem Shenuda. Isto num momento em que os egípcios estão também sem Presidente.
Para a colunista e escritora copta Karima Kamal, ouvida pelo jornal Christian Science Monitor, os cristãos deverão agora reconhecer que estão, uma vez mais, diante de uma nova era. E abraçar um novo papel político para a sua Igreja.
"Penso que os próximos dias vão obrigar os coptas a não dependerem tanto da Igreja", diz. "Porque nem o mais amado dos sucessores será como Shenuda. Já não vão poder ficar num gueto, dentro da igreja, a pedir a Shenuda que os defenda. Isso acabou... Nunca mais será assim."
Shenuda, cujo corpo foi paramentado e colocado no trono da catedral, vai ser enterrado amanhã.
O processo de sucessão deverá demorar pelo menos dois meses. Os líderes coptas vão reunir-se para encontrarem três candidatos a papa, mas, de acordo com a tradição, será uma criança cega a escolher o nome do sucessor de Shenuda.