Quando as nossas imagens íntimas vão parar à Internet Sexting
O namoro acabou e uma foto ousada da rapariga de 16 anos foi parar à Internet. A norte-americana Therese Fowler escreveu sobre o tema no seu livro Escândalo. Pais têm de estar atentos. Afinal, é crime. Por Bárbara Wong
Pedro e Joana, cha-memos-lhe assim, já foram namorados, já estiveram louca-mente apaixonados. Por causa de Pedro, a rapariga de 16 anos deixou de ser a aluna exemplar de que os pais e os professores se orgulhavam. Por causa de Joana, o rapaz, da mesma idade, deixou de sair e de estar com os amigos. E eles lutaram para ficar juntos até que, um dia, o namoro acabou. Poucas horas depois de Joana ter terminado a relação, Pedro publicou, numa rede social, a fotografia da ex-namorada, numa pose sensual. A fotografia tinha sido Joana a enviar-lhe, pelo telemóvel, quando ainda estavam apaixonados.
Mensagens com conteúdo sexual, com imagens ou com filmes, são chamadas "sexting" - o termo nasceu da junção das palavras em inglês "sex" e "texting" - "para referir a difusão de mensagens e imagens com conteúdos eróticos ou sexuais, trocadas inicialmente entre dois utilizadores, e que, de um momento para o outro, podem ter ampla divulgação no domínio público através da sua publicação na Internet", explicam Marta Reis e Lúcia Ramiro, investigadoras da Equipa Aventura Social da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), da Universidade Técnica de Lisboa.
"Não fiz nada. Na imagem só se via um pouco do meu decote, via-se o peito, mas não os mamilos, era um decote grande, mas e se eu estivesse nua? E se tivéssemos tirado fotos mais comprometedoras? Era horrível... Isso ia estragar a minha vida", confessa ao PÚBLICO a rapariga, aluna do 10.º ano, de Lisboa.
É verdade, uma vez divulgada a imagem na Internet, perde-se o controlo da mesma e esta pode ser usada por quem quiser, como quiser. Pode ser usada, por exemplo, em sites pornográficos. Na Internet, torna-se uma "tinta permanente", alerta Carlos Cabreiro, da Polícia Judiciária (PJ).
No caso de Joana, a imagem não chegava a ser pornográfica, "era só ousada", reafirma a rapariga, mas, se fosse, Pedro poderia ser criminalizado. Afinal, o sexting é crime. O crime de pornografia envolvendo menores com enquadramento na Internet está contemplado no Código Penal e prevê penas que vão de um a cinco anos de prisão, em caso de produção, distribuição, venda ou cedência de imagens pornográficas.
"Os jovens têm de perceber que tudo o que fazem virtualmente pode ter um enorme impacto na vida real", advertem as investigadoras da FMH. O mesmo diz Cabreiro: os jovens têm "perfeita percepção das potencialidades dos equipamentos" - telemóveis com câmaras de filmar, máquinas fotográficas e acesso à Internet -, "podem não ter é das consequências".
Filho preso
"Os adolescentes olham de maneira diferente para a Internet. Para eles é uma fonte infinita de informação, mas também um espaço de diversão e de encontro. E tudo isto pode ser bom e útil, mas, como acontece muitas vezes, os adolescentes podem estar pouco atentos aos perigos e devem ser educados para os evitar", alerta Therese Fowler, escritora norte-americana cujo filho esteve preso por ter enviado imagens impróprias, dele, a pedido de uma amiga.Amelia pega no telemóvel e fotografa o namorado, Anthony. "Pareces a estátua de um deus grego - Apolo", diz-lhe enquanto capta a imagem do rapaz de 18 anos nu. Mais tarde, a rapariga de 17 anos diz-lhe que as fotografias ficaram demasiado escuras e que gostava que ele fizesse outras. O rapaz acede, afinal, vão estar separados oito semanas e envia-lhe as imagens por correio electrónico. Imagens essas que são descobertas pelo pai de Amelia e Anthony acaba por ser preso.
Esta não é uma história real, mas é baseada no que aconteceu com o filho de Therese Fowler, a autora norte-americana de Escândalo, editado pela Asa. Pode ser a história de qualquer casal de namorados que, nos dias de hoje, usufrua de todas as novas tecnologias, do telemóvel de última geração, ao email e às redes sociais, o que facilita a partilha de imagens.
Um dia, o filho de Therese Fowler foi preso por ter enviado umas imagens dele a pedido de uma rapariga, que não era a sua namorada. Dias mais tarde, estava Therese a escrever, em casa, quando o filho se aproximou e disse-lhe que a polícia estava à porta para o levar. A família da amiga tinha feito queixa do rapaz. "Felizmente, foi acusado de uma ofensa menor. Mas se tivesse sido acusado e condenado ficaria com registo de criminoso sexual", conta a escritora ao P2.
A queixa acabou por ser retirada, mas a família ficou muito abalada com a acusação, com o dinheiro que gastou na defesa do rapaz - "milhares de dólares", diz a autora - e, sobretudo, com a exposição pública - "como o caso foi noticiado na televisão e jornais locais, sentíamos que todos nos olhavam como se fôssemos criminosos da pior espécie", confessa Fowler.
A experiência levou a escritora a abandonar o livro que estava a escrever e a criar as personagens de Escândalo: neste caso, Anthony e Amelia estão apaixonados e são uma espécie de Romeu e Julieta dos tempos modernos, que vivem uma história de amor proibida.
Tendência para aumentar
O sexting não acontece apenas entre namorados. Há amigos ou colegas de escola que passam mensagens com imagens comprometedoras; há também desconhecidos, adultos, que entram em contacto com crianças e adolescentes e trocam mensagens de cariz sexual que, depois, dão origem a chantagens e a violência sexual."O sexting implica violência psicológica e não física", esclarecem as investigadoras da Aventura Social.
Existem "casos dramáticos", alerta Carlos Cabreiro, coordenador de investigação criminal da secção de investigação de crimes informáticos da Polícia Judiciária (PJ), de Lisboa, que se recorda de um, em particular: um namorado que, terminada a relação, publicou imagens que obrigaram a ex-namorada a mudar de escola e a família a mudar de cidade. Mas ainda mais dramáticos são os casos que envolvem adultos e menores, casos de abuso sexual e de pornografia.
Carlos Cabreiro diz que o sexting está a aumentar mas não avança com números, uma vez que pode ser classificado tanto como devassa da vida privada como abuso sexual de menores ou extorsão. "Mas é uma prática que tem vindo a crescer, o uso das novas tecnologias para exposição do corpo", sublinha o responsável da PJ.
O inquérito EU Kids Online mostra que, no último ano, apenas 3% dos jovens entre os 11 e 16 anos revela ter colocado online mensagens de cariz sexual - imagens, fotografias, vídeos ou texto -; e 15% afirma ter recebido esse tipo de mensagens. Segundo Cristina Ponte, coordenadora da equipa portuguesa deste projecto europeu, "o facto de serem poucos os jovens que declaram ter colocado online mensagens deste tipo pode dever-se a uma expectativa social". Ou seja, apesar de o inquérito garantir o anonimato, os estudantes inquiridos sabem quais são as expectativas sociais em torno das suas respostas. "Aliás, surgem cada vez mais histórias de exibição de fotos e filmes caseiros na Internet ou pelo telemóvel e essas histórias nem sempre têm um desfecho feliz", lamentam as investigadoras da Aventura Social.
Apesar de serem poucos os inquiridos que dizem ter trocado imagens, entre eles, são os mais velhos que mais têm essa prática: 6% dos que têm 11 e 12 anos viu ou recebeu imagens de cariz sexual, no último ano, na Internet; um valor que aumenta para 10% dos adolescentes com 13 e 14 anos; e sobe para 22% no caso dos que têm 15 e 16 anos.
O pedido para mostrar fotos ou vídeos de zonas genitais são feitos sobretudo aos jovens de 13 e 14 anos, ao passo que os mais velhos estão na posição de recipientes de mensagens ou imagens desse tipo, continua o estudo EU Kids Online.
Os pais estão pouco atentos a esta questão - apesar de 15% dos jovens entre os 11 e os 16 anos confessarem já ter recebido mensagens de cariz sexual, apenas 2% dos pais consideram que os filhos já tiveram essa experiência, avança o mesmo estudo.
Therese Fowler não tem dúvidas de que uma das razões porque decidiu escrever foi para alertar os pais e os adolescentes para que o "sexting é crime". E o livro pode servir para isso mesmo, para pais e filhos conversarem sobre o tema.
A Polícia Judiciária tem feito acções de prevenção para alunos, pais e professores, alertando para a protecção não só da imagem como dos dados pessoais. "Se andamos com a carteira do bolso [para não ser roubada], também devemos guardar os nossos dados pessoais", alerta Carlos Cabreiro.
"Não há usos sem riscos, mas estes podem ser acautelados se houver cuidado com a nossa exposição na rede", considera Cristina Ponte, que aconselha os mais novos a, caso sejam vítimas de sexting, a não guardarem a chantagem para si, mas a denunciar, a "contrariar o sofrimento em silêncio e o sentimento de vergonha".