O regresso de Slimane
Hoje, para quem não está ao corrente do que se passa na música, mais vale desistir da moda e reconverter-se ao sector agro-alimentício. A frase é do designer de moda francês Karl Lagerfeld, numa entrevista na última edição da revista Les Inrocktibles, mas poderia ser do alemão Hedi Slimane.
Ainda não está oficialmente confirmado, mas tudo indica que este vai regressar ao universo da moda, para assumir a direcção criativa da Yves Saint Laurent, depois de ter abandonado a Dior Homme há cerca de cinco anos. É um retorno, nestes últimos anos, muito especulado e desejado.
Como todos os verdadeiros criativos, Hedi Slimane dificilmente encarará o assunto dessa forma. Para ele, que não distingue entre moda, fotografia, arte ou captação de estilos de vida, as outras áreas que o têm ocupado nos últimos anos, não será um regresso, porque nunca deixou de fazer moda através das imagens. Para ele, não é o suporte que interessa, mas sim os conceitos. E nesse particular é difícil imaginar alguém tão estimulante.
A música é a sua principal fonte de inspiração. Quando a moda dominava as suas atenções, dizia que era capaz de imaginar uma colecção inteira, e a forma como a apresentaria, a partir da simples audição de uma canção. Foi assim que ele definiu o perfil do homem da última década: silhuetas enxutas, magras, esguias, mistura de rock e fragilidade, androginia e sensualidade, uma estética quase ascética e uma elegância tão intensas que muitas mulheres também não dispensavam as suas arrojadas criações.
Enquanto Galliano ou o falecido Alexander McQueen eram aclamados pelo excesso, ele era-o pela simplicidade e arquitectura ultraminimal. No seu caso, o que é interessante (na moda, nas fotos ou nos dispositivos artísticos) é a forma como capta a energia passageira e frágil da adolescência, ao mesmo tempo que não prescinde de um classicismo de rasgão humanizado.
Antes da crise ou das redes sociais, foi um dos criadores que perceberam que os anos vindouros iriam ser marcados pelo sentido comunitário e pelos ideais de colaboração. Depois dos acontecimentos do 11 de Setembro, dedicou-se a captar essas noções no rock através das fotos. As suas imagens concentravam-se no silêncio ritual do antes e depois dos concertos. Às vezes eram apenas abstracção. Corpos como se estivessem em meditação ou se ofereceriam a outros corpos, num ritual de suor, fisicalidade e expressões de abandono. Juntos, mas sós, na multidão.
A ele interessa-lhe não só o conjunto de elementos que determinam os agentes do rock, como dos seus seguidores. Nas fotos, os músicos, o público e os elementos cénicos e técnicos (da luz aos cabos) participam todos no ritual que perpetua o nervo primordial do rock. Talvez a moda esteja a precisar de qualquer coisa de semelhante, recuperar a sua essência, deixar atordoar-se, levar um soco nos olhos, para voltar a ver.