Torne-se perito

Queda das audiências irá reduzir a facturação em publicidade da RTP

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A RTP e a TVI votaram contra o novo sistema que substitui o da Marktest por terem dúvidas sobre a fiabilidade do modelo

Cada ponto de audiência vale na RTP metade dos privados e a desvalorização pode afectar venda de um canal. Administração da TV pública toma hoje posição sobre a empresa GfK

A queda abrupta das audiências da RTP, com o novo sistema de medição que começou a ser utilizado na passada semana, pode levar a um prejuízo significativo nas contas deste ano e desvaloriza o preço do canal que o Governo pretende alienar. O conselho de administração da RTP reúne-se hoje e vai tomar uma posição sobre as audiências da GfK, a nova empresa que está a prestar o serviço para a CAEM - Comissão de Análise de Estudos de Meios, e que tem apresentado números muito inferiores aos resultados que a Marktest regista.

"Vamos tomar providências para que esta situação não continue. E se ela não for corrigida, exigimos uma reparação pelos danos causados", disse ao PÚBLICO o presidente da administração da RTP, Guilherme Costa, que não quis fazer mais comentários.

Tendo em conta a audiência conseguida no ano passado e o valor aproximado de facturação publicitária, cada ponto da audiência média anual do primeiro canal público valerá hoje aproximadamente 2,3 milhões de euros. Extrapolando esses valores para os níveis de audiências da RTP dados pela GfK, se de facto a TV pública encerrar o ano como menos 5,6 pontos de audiência, isso implica a perda de 12,9 milhões de euros anuais.

Nas televisões privadas o valor por ponto de audiência oscila entre os 4,7 milhões de euros para a TVI e perto de 4,5 milhões para a SIC, de acordo com as contas elaboradas pelo PÚBLICO a partir dos dados dos relatórios e contas disponíveis.

A diferença de receitas publicitárias por ponto de audiência da RTP em relação às privadas deriva também do facto de a estação pública estar limitada a metade do tempo de publicidade por hora das privadas, que têm 12 minutos. Com menos audiências, a RTP terá que passar a cobrar menos por cada GRP (gross rating points), a medida utilizada para contabilizar o número de pessoas que contactam com um anúncio.

Em 2010, a RTP facturou 50 milhões de euros em publicidade - as contas do ano passado ainda não foram divulgadas, mas não andarão longe deste valor. A SIC registou nesse ano 106 milhões pelo canal generalista e pelos canais do cabo, mas não divulga valores individuais - no ano passado terá sentido uma quebra de pelo menos 4%. E a TVI, a única que já divulgou contas de 2011, facturou 121,4 milhões de euros em espaço publicitário. Os três canais fecharam o ano de 2011 com uma audiência média de 21,6% para a RTP1, 22,7% para a SIC e 25,7% para a TVI.

Este empobrecimento do valor da RTP deverá interferir directamente com o processo de alienação de um dos canais previsto pelo Governo para o próximo ano. O PÚBLICO questionou o gabinete do ministro Miguel Relvas, que tutela a comunicação social, mas o Governo não comenta o caso. Com menos audiências, o canal sairá desvalorizado, fazendo baixar significativamente o valor que o executivo pensaria encaixar.

Fontes do sector contactadas pelo PÚBLICO dizem que se esta queda nas audiências que se está a passar com a RTP acontecesse num canal privado, colocaria mesmo em causa a sua sobrevivência económica. Para além de obrigar a uma baixa de preços, a médio prazo, no sector televisivo, este mudança no paradigma das audiências poderá, no entanto, vir a beneficiar os outros suportes como a imprensa e a rádio. Quem sai já à partida beneficiada é a plataforma da televisão paga, que com os dados da GfK, que a situam em níveis nunca vistos, está agora mais habilitada a pedir preços mais altos pelo seu espaço publicitário.

ERC mantém distância

Para já, a ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social prefere manter-se à distância da polémica. A ERC entende que a CAEM configura um sistema de auto-regulação, desenvolveu todo o processo de escolha da empresa e do novo sistema de medição e portanto os seus associados devem entender-se.

Porém, para evitar ser surpreendido com alguma tendência de desregulamentação, o presidente da ERC, Carlos Magno, chamou a si o assunto e pediu aos serviços que elaborem um dossier sobre o processo. Isso mesmo foi comunicado pelo presidente, numa conversa informal com os directores de Informação das televisões, na passada semana.

Com este novo mapa nas audiências corre-se o risco de os operadores voltarem aos episódios de contraprogramação que durante alguns anos caracterizaram a televisão, técnicas que agora são proibidas e punidas por lei.

O novo sistema de medição de audiências de TV, da responsabilidade da GfK, entrou em funcionamento no dia 1, depois de sucessivos adiamentos devido a dificuldades técnicas, de ajustamento do painel e de desencontro de opinião entre os operadores - a RTP e a TVI votaram contra o novo sistema que substitui o da Marktest por terem dúvidas sobre a fiabilidade do modelo. No dia 2, quando se conheceram as audiências do dia anterior, as divergências agudizaram-se. Com a GfK, a RTP1 (13,9%) perdeu um terço da audiência em relação aos dados da Marktest. Tanto a SIC (21,7%) como a TVI (23,9%) também perdem espectadores, mas a quebra é bem menor. Quem ganha é a TV paga, à qual a GfK atribui uma quota de 37 por cento.

A Marktest, que operava no mercado desde 1990, continua a usar o seu painel para fazer a medição de audiências para produtoras, por exemplo.

CT pede impugnação

A comissão de trabalhadores da RTP defendeu ontem que a administração, caso não tenha assinado um contrato, "deve impugnar de imediato o processo audimétrico" da GfK e responsabilizar a CAEM pelos prejuízos já sofridos. Mas se assinou algum contrato também o deve rescindir sem demoras, tendo em conta que está provado que este "não acautelava devidamente os seus interesses" e que a empresa não pode legitimar "audimetrias viciadas".

Os trabalhadores deixam várias farpas. A primeira é para o ministro Miguel Relvas, para quem "o colapso" das audiências da RTP "assenta como uma luva à campanha sobre o despesismo da televisão pública". Relvas pode agora "acrescentar que gasta muito numa televisão que se vê pouco". "Somando um suposto colapso de audiências a um suposto buraco financeiro, aí está a receita para lançar o camartelo contra a RTP", ironiza a CT. A outra é para o seu presidente, que terá afirmado publicamente preferir "uma televisão pública com um só canal, "bom", e não com dois "medíocres"".

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