Quando o hospital se transforma na casa dos idosos

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daniel rocha

São, sobretudo, idosos que viviam sozinhos e que, depois da alta hospitalar, não têm um sítio para morar à sua espera, com alguém que cuide deles. Há queixas da demora da resposta da Segurança Social

Mais do que idosos abandonados pelas famílias, os hospitais registam sobretudo casos de pessoas de idade que viviam sozinhas, sem família, e que não têm condições para regressar a casa, depois de lhes ter sido dada alta. São situações destas que fazem com que os internamentos se arrastem por tempo indefinido, até que surja uma solução como a admissão num lar.

Nos Hospitais da Universidade de Coimbra - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (HUC-CHUC), o que o serviço social mais recebe são casos destes, de idosos que viviam sós e sem familiares de 1.º grau: "Nesses casos, o ingresso num lar, comparticipado pela Segurança Social, é muito difícil e alguns ficam internados demasiado tempo", diz a coordenadora do serviço, Isabel Ventura. Também no Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), entre os 38 adultos - a maioria idosos - que ainda não saíram do hospital por "motivos sociais", grande parte corresponde a casos de utentes sós, dependentes, e sem família, que necessitam de resposta da Segurança Social, ou, então, idosos que não têm familiares com disponibilidade para cuidar deles. A coordenadora do serviço social, Adélia Gomes, nota que há famílias que não conseguem suportar uma mensalidade num lar particular, que, na área de Lisboa, "têm mensalidades de 1200 euros ou mais".

Neste hospital, estas situações têm vindo "a aumentar", bem como "uma demora maior" das respostas da Segurança Social. Em 2009, registaram-se cerca de 30 situações de protelamento da alta por motivos sociais, a maioria das quais referentes a idosos; em 2010, cerca de 42; em 2011, 44; e, este ano, vai em 46.

Apesar de, no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, a maioria dos casos de protelamento da alta também corresponder a idosos que "não têm qualquer tipo de suporte familiar", existem actualmente três situações de abandono - em 2010, houve 10 abandonos e 32 altas proteladas.

"As respostas sociais existentes são insuficientes, sendo que as instituições privadas praticam valores muito acima das pensões, o que torna impraticável uma resposta adequada às necessidades do doente, do idoso", notam os assistentes sociais deste hospital, frisando que, apesar de os familiares em primeira linha serem "os responsáveis directos", não há qualquer lei que os "obrigue" a levar os doentes para casa. E as situações podem arrastar-se "meses".

No Centro Hospitalar de Lisboa Central, (CHLC), existiam no início do ano 14 idosos com alta protelada por motivos sociais. De acordo com o conselho de administração, este número tem vindo a diminuir - embora se tenha verificado um "aumento pouco significativo" em 2011 - tal como tem vindo a diminuir a média de dias em que permanecem internados. Em 2008, 368 doentes protelaram a alta por uma média de cerca de 16 dias; em 2009, 340 utentes adiaram a saída por cerca de 15 dias; em 2010, 270 por cerca de 11 dias; e, em 2011, 279 utentes por uma média de 10 dias. Estes números não incluem, porém, os doentes que aguardam a integração na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI). A administração do hospital admite, porém, que "ultimamente, o individualismo e a solidão nos idosos são mais evidentes", havendo "mais idosos isolados e com poucas ou nenhumas relações de vizinhança".

O grau de dependência de algumas pessoas faz com que inúmeras famílias não tenham "recursos humanos e financeiros" para ajudar: "A nossa realidade diz que a maior parte das famílias não abandona os seus idosos, procura sim respostas, que nem sempre surgem com a rapidez que seria desejável para o doente, família e para o hospital", sustenta Isabel Ventura.

Em alguns casos, a RNCCI pode ser uma solução: actualmente está a ser prestado apoio a 9058 pessoas, mas há 1156 doentes em lista de espera. A coordenadora nacional Inês Guerreiro admite que a rede "tem de ser aumentada": "É cada vez mais actual e necessário. As pessoas gostam de ser tratadas nas suas casas".

No interior

No Hospital Sousa Martins, na Guarda, não houve nos últimos dois anos mais do que uma dezena de situações que se possam classificar como abandono: "São casos muito esporádicos, em que os idosos permaneceram no hospital não mais que dois a três dias, até que a situação fosse resolvida", diz a presidente do conselho de administração, Ana Manso, acreditando que tal se deve à "forte" vivência em comunidade que existe no interior.

Percepção diferente tem o bispo da diocese de Bragança-Miranda, José Cordeiro, que, no Natal, constatou existirem idosos abandonados nos hospitais da região: "Pensava que em Trás-os-Montes este fenómeno não acontecia, mas acontece e não é esporádico". O bispo diz que até há idosos que "encontram modo de ir parar ao hospital, porque acham que lá estão melhor do que sozinhos em casa".

Também José Nuno - capelão do Centro Hospitalar do São João, no Porto - mostra igual preocupação: "Com a crise, a situação pode agudizar-se. Ao ritmo que a pobreza cresce, muitas famílias acreditam que os idosos estão melhor no hospital. E há mesmo idosos que querem estar no hospital, porque em casa estariam sozinhos".

Autor de uma tese de doutoramento sobre morrer nos hospitais (ver texto ao lado), o também coordenador nacional dos capelões hospitalares prefere, porém, não usar o termo "abandonados", porque acredita que "muitas famílias sofrem por não estarem com os seus idosos": "Não os abandonam ao hospital, confiam-nos ao hospital", ressalva. "As dificuldades são transversais a toda a gente. Hoje as pessoas não vivem em casa, chegam lá para dormir, como os podem ter em casa?", questiona.

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