Richard Stallman: "Não se pode confiar num programa de software que não seja livre"

Foto
Richard Stallman em Braga Paulo Pimenta

No início da década de 1970, tornou-se investigador no laboratório de inteligência artificial do MIT, onde acabou por tornar-se numa espécie de fenómeno de culto dentro da subcultura hacker. É hoje presidente da Fundação para o Software Livre.

Stallman esteve na Universidade do Minho, em Braga, para uma palestra sobre direitos de autor, que durou mais de duas horas num auditório repleto. A excentricidade por que é conhecido sentiu-se em Portugal. Segundo narra quem o recebeu, é o tipo de pessoa que pode pedir a alguém que lhe segure na bagagem, mas que se irrita se de facto a transportam, porque o objectivo era apenas que a segurassem. Acabou o discurso a leiloar uma mascote de peluche pela plateia (conseguiu 65 euros).

No final da palestra, disse ter pouco tempo para as (previamente agendadas) entrevistas. O tempo, afinal, acabou por sobrar: Stallman pôs fim à conversa, já que as questões não iam ao encontro do que defende: “Por favor, não me diga coisas para que eu as discuta”.

Como se sentiu quando o software começou a adoptar um modelo proprietário?

Foi nos anos 70 que o software se tornou proprietário. Em muitos sítios, mas não onde eu estava. Eu estava a trabalhar no laboratório de Inteligência artificial do MIT, que era uma espécie de refúgio do software livre. Por isso, eu vi software proprietário, mas nós não o tínhamos. Aí, comecei a apreciar a liberdade que se consegue a partir do software livre. Mas essa comunidade morreu em 1981/82. E isso foi o que me levou a pensar seriamente no assunto e encará-lo como importante. Porque vi que software proprietário seria o meu futuro, se não fizesse nada.


Nesses anos, sentia-se...

Senti-me enojado.


Ainda se sente assim?

Sim. Ouviu sobre a história das


drivers

[software essencial ao uso] para a impressora? Pedi a alguém que partilhasse o código-fonte comigo, o que era a prática normal na nossa comunidade, e ele disse que tinha prometido que não o partilhava comigo. De facto, ele tinha traído os colegas. Não era só eu, era todo o laboratório que teria benefícios. Mas ele não nos tinha traído só a nós. Tinha prometido não partilhar o código com ninguém. Por isso, tinha traído o mundo inteiro.

Quando o software proprietário se tornou um modelo negócio estabelecido, pode-se argumentar que isso ajudou a criar mais e melhor software.

Não faz diferença. De que vale ter software tecnicamente melhor, se não respeita a liberdade? A conclusão a que cheguei é que não quero nenhum desse software. Não interessa o quão bom é tecnicamente... Ele muda e eu não quero essas mudanças em mim.


Às vezes abdica-se de liberdades para ter benefícios...

Não abdico dessa liberdade por nenhum benefício. Não vou usar um programa que não seja livre e nem sequer se pode confiar num programa que não seja livre.


Porque não se pode confiar?

Porque eles estão cheios de funcionalidades maliciosas. Fiz uma lista dos programas não livres mais usados. Quase todos os utilizadores de computador estão a usar alguns desses programas, que se sabe que são maliciosos. O que é que isto diz? Diz que quando o programador tem poder sobre os utilizadores, vai abusar desse poder. Não se pode confiar num programa que não seja livre. Mais precisamente, um programa que não inclui a “liberdade 1” [na lista de liberdades de Stallman, que não pode ser estudado e modificado] é potencialmente malicioso. E, nos casos mais comuns, sabe-se que é mesmo malicioso. Por isso, é-se idiota se se aceita software proprietário por causa das funcionalidades . As funcionalidades não podem justificar o modelo de distribuição sem ética.


Defende que é melhor não fazer software nenhum, do que criar software proprietário. Uma vez, numa entrevista, disse que, em vez de criar software proprietário, se poderia esperar até que alguém criasse software que fosse livre e que fizesse o mesmo. Não há o risco de se esperar demasiado para...

Não, não de todo. Eu prefiro esperar 50 anos.


Mas vai-se perder algo no processo de espera.

Não. Estaria a perder coisas pouco importantes e a manter a minha liberdade. Nessa pergunta, está implícita uma definição de valores e é aí que eu discordo. Essa pergunta é na verdade um argumento a dizer que devemos valorizar mais a conveniência do que a liberdade. Se é esse o caso, tem o direito a pensar isso, mas então porque estamos a falar? Qual é o objectivo da nossa conversa? Se esses são os valores, não há conversação possível.


É sempre possível confrontar valores.

Não quero ter uma conversa com alguém que tem valores diferentes dos meus. Porque as conclusões vão ser diferentes e não há nada para ser dito.


Não considera a hipótese de uma confrontação de valores produzir mudança numa das partes?

Não estou interessado.


Não estou a dizer que vai mudar. Pode conseguir mudar a outra parte.

Não creio que esta entrevista vá ajudar a fazer isso. Tenho o pressentimento de que se opõe àquilo que defendo e acho que vou parar isto.


Estou a confrontá-lo com visões...

Por favor, não me diga coisas para que eu as discuta.


Sugerir correcção
Comentar