Frio e epidemia tardia de gripe explicam mortes acima do esperado
A prolongada época de frio intenso, conjugada com a ocorrência tardia da epidemia de gripe sazonal e a circulação de outros vírus respiratórios serão as principais explicações para o excesso de mortalidade observado nas três primeiras semanas deste mês. Para já, são estas as justificações avançadas pelos responsáveis da Direcção-Geral da Saúde (DGS), que ontem se reuniram com especialistas do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge (INSA) para tentar perceber o que está na base dos picos de mortalidade verificados durante este período, em que o número de óbitos suplantou o que seria de esperar para esta altura do ano.
Na última semana em análise, de 13 a 19 de Feveiro, registaram-se mais de três mil mortes, cerca de meio milhar acima da linha de base (a média esperada) desenhada no Sistema de Monitorização Diária da Mortalidade - que integra o micro-site da vigilância de gripe do INSA. Nas duas semanas anteriores, já se tinham observado números acima do esperado, ainda que menos pronunciados. O excesso de mortalidade verificou-se basicamente nas faixas etárias mais idosas.
Há razões para alarme? Para os especialistas, não. O director-geral da Saúde, Francisco George, começa por explicar que o fenómeno estará relacionado, em parte, com o facto de este ano "a estirpe do vírus da gripe a circular com expressão epidémica ser a A(H3N2)", que afecta sobretudo os grupos etários mais idosos, os mais vulneráveis. E que é o contrário do que sucedeu em anos anteriores - o vírus da gripe A, o A(H1N1), afecta sobretudo pessoas mais jovens, mas este ano parece ter-se evaporado.
O director-geral da Saúde sublinha que há ainda outros vírus em circulação, nomeadamente o "coronavírus, o adenovírus, o metapneumovírus e o vírus sincicial respiratório". "E o problema dos vírus respiratórios é que provocam quadros clínicos com febre alta que, em pessoas de idade avançada e em doentes crónicos, podem causar a descompensação de várias doenças e conduzir a evoluções muito graves", diz.
Nos últimos 20 anos, este fenómeno até foi "mais expressivo" no Inverno de 1998/1999, quando predominou esta estirpe do vírus da gripe, como está a suceder este ano, em que "98% dos casos" são de infecção com o H3N2. No Inverno de 2008/2009 também houve um excesso de mortalidade associado à gripe.
Pico da gripe já passou"Primeiro, verificou-se um episódio de frio, a que se seguiu a epidemia de gripe", explica Paulo Nogueira, epidemiologista da DGS. Em anos em que ocorrem períodos de frio intenso e epidemias de gripe a situação é pior, a interacção entre os dois fenómenos agrava a situação, sustenta. É, aliás, para evitar uma concentração de casos graves num curto período de tempo que as autoridades de saúde todos os anos aconselham as pessoas a vacinar-se.
Mas ainda vai ser necessário esmiuçar com rigor o impacto do frio e da gripe na mortalidade - o que só poderá ser feito quando se tiver acesso às causas de morte (e os especialistas ainda estão a codificar as causas dos óbitos de 2011).
Este ano, o início da epidemia de gripe sazonal arrastou-se quase até ao início da Primavera, nota ainda Francisco George, que se recusa a ver nestes dados um eventual efeito indirecto das dificuldades financeiras sentidas por muitos cidadãos: "Naturalmente que as questões sociais não podem ser ignoradas. Mas estes fenómenos são registados sem distinção da condição social". A sétima semana deste ano terá sido a do pico da epidemia, mas as mortes ocorrem com uma décalage de semanas.
"O frio pôs a nu muitas carências. Quem estava no limite descompensou. As pessoas cortam nos medicamentos, cortam no aquecimento", contrapõe um médico que pediu para não ser identificado, notando que as casas portuguesas não estão preparadas para temperaturas tão frias.
Para o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Mário Jorge Santos, era necessário uma análise mais fina, comparar períodos homólogos não é correcto. "O fenómeno que mais condiciona a mortalidade é a temperatura. O frio facilita a circulação do vírus da gripe e de outros vírus respiratórios". Mas esta não é a única explicação para o aumento de mortalidade. Com o frio aumentam os enfartes de miocárdio, os acidentes vasculares cerebrais, os acidentes de viação devido ao gelo, as intoxicações por monóxido de carbono, enumera. "O que é preciso ver é se este aumento é superior a anteriores vagas de frio".
Correcção do 3.º parágrafo, no dia 29-02-2012, às 13h28: registaram-se mais de três mil mortes, cerca de meio milhar acima da linha de base, e não meia centena como estava escrito.