O prémio Pritzker 2012 foi atribuído a uma obra que "abre novos horizontes ao mesmo tempo que ressoa com o lugar e a memória" - foi com estas palavras que o júri daquele que é considerado o Nobel da arquitectura justificou ontem a escolha este ano do arquitecto chinês Wang Shu.
Jovem, com apenas 48 anos, e com obra construída unicamente na China, Wang Shu - que fundou com a sua mulher, Lu Wenyu, o atelier Amateur Architecture Studio - é um arquitecto relativamente pouco conhecido fora do seu país.
"É bastante inesperado", comenta Ricardo Carvalho, crítico de arquitectura do PÚBLICO. Mas, lembra, "também Eduardo Souto de Moura [o arquitecto português que recebeu o Pritzker de 2011] era conhecido apenas num certo meio, entre arquitectos, e Wang Shu tem um pouco o mesmo perfil. São prémios a falar de uma outra visão sobre o mundo, de uma qualidade local e não necessariamente que sirva a qualquer lugar."
Trata-se de um prémio que "tem claramente a ver com o momento chinês", e que é, ao mesmo tempo, "uma crítica a esse momento". Isto porque, quando se olha para a obra de Wang Shu, percebe-se claramente que "no contexto chinês ela é muito diferente da espectacularidade e do kitsch" de muito do que se tem construído naquele país, "é muito mais arcaica, com a ambição de ser perene".
O júri do Pritzker - presidido por lorde Palumbo e que integrava, entre outros, o arquitecto chileno Alejandro Aravena, o chinês Yung Ho Chang, a britânica Zaha Hadid, Pritzker de 2004, e o australiano Glenn Murcutt, Pritzker 2002 - assume isso mesmo: "O facto de ter sido escolhido um arquitecto chinês supõe um importante passo no reconhecimento do papel que a China vai desempenhar no desenvolvimento dos ideais arquitectónicos. Além disso, o êxito do urbanismo chinês nas próximas décadas será importante não só para a China mas para o mundo inteiro."
Aravena di-lo claramente: "Há questões significativas ligadas ao recente processo de urbanização na China - se deve ser ancorado na tradição ou se deve olhar para o futuro. Como em qualquer grande arquitectura, o trabalho de Wang Shu consegue transcender esse debate produzindo arquitectura que é intemporal, profundamente enraizada no seu contexto e no entanto universal." E Yung Ho Chang reforça a mesma ideia ao afirmar que a obra de Wang "mostra que a arquitectura na China é mais do que a produção em massa da banalidade que responde ao mercado e de reproduções do exótico."
Para se conhecer a arquitectura de Wang Shu é necessário ir à China e, sobretudo, à região de Hangzhou, onde está a maioria dos trabalhos - entre os mais conhecidos conta-se o Museu Histórico de Ningbo, um edifício em pedra, com pequenas aberturas rasgadas de forma incerta, e uma estrutura "quebrada" em vários pontos. É um edifício com "uma dupla condição", descreve Ricardo Carvalho. "Tem formas perfeitas mas ao mesmo tempo parece quase inacabado."
Trabalho artesanalAutor dos pavilhões da China na Expo de Xangai e na Bienal de Veneza de 2006, Wang Shu fez vários edifícios públicos, entre os quais o Campus Xiangshan da Academia Chinesa de Arte, mas também as delicadas casas sobre água conhecidas como Five Scattered Houses, em Ningbo.
Wang Shu tem uma relação muito próxima com o trabalho dos artesãos. Nascido em 1963 em Urumqi, na província de Xinjiang, filho de um músico e carpinteiro amador e de uma professora, parecia destinado a ser artista plástico ou escritor. Mas os pais aconselharam-no a estudar ciências ou engenharia e ele optou por uma via intermédia - a arquitectura. Depois de se formar, foi trabalhar, no início dos anos 90, com artesãos e construtores para aprender tudo sobre técnicas de construção, sobretudo na recuperação de casas antigas.
"Escolhi o trabalho artesanal e o espírito amador em vez do sistema", disse. "Eu desenho uma casa em vez de um edifício. Um dos problemas da arquitectura profissional é pensar demasiado no edifício. Uma casa, que é mais próxima da vida simples e quotidiana, é mais fundamental do que a arquitectura."
Texto actualizado no dia 28/02 às 10h20