Os 100 dias do político Mario Monti
O "estranho" Governo de Mario Monti fez ontem 100 dias. O balanço é curioso. Os italianos descobriram, graças aos "tecnocratas", que há um outro modo de fazer política - sem espavento e com decisões - e apreciaram. A surpresa é que tanto Monti como a maioria dos ministros não seguem uma lógica tecnocrática mas eminentemente política. Hoje, toda a cena política italiana roda em torno de Monti.
Servem de exemplo duas declarações sintomáticas. Walter Veltroni, ex-líder do Partido Democrático (PD, pós-comunista), adverte os correligionários: "Não deixemos Monti à direita" ou "Monti faz coisas de esquerda". Do outro lado da barricada, Silvio Berlusconi diz ao seu partido, Povo da Liberdade (PdL): "Não podemos deixar Monti à esquerda [porque] as suas reformas são o nosso programa."
Monti assumiu, em Novembro, a chefia de um governo presidencial e de emergência, sustentado por uma esmagadora maioria parlamentar, até às eleições de 2013. O PdL e o PD apoiaram o Governo presidencial por falta de alternativa. Berlusconi deixara de poder governar. Para o PD era a forma prática de afastar o Cavaliere. Ambos calcularam que seria um governo de que se poderiam desfazer, provocando eleições logo que o spread baixasse e quando lhes conviesse eleitoralmente. Por isso, contrariando a vontade do Presidente, Giorgio Napolitano, não aceitaram incluir figuras suas no executivo, para não "sujar as mãos" com reformas impopulares.
Mas, explicam os politólogos, a fatal ilusão dos líderes partidários foi imaginar o Governo Monti como um fenómeno transitório. Logo em Dezembro, a sua substituição era olhada pelos italianos como um suicidário "salto no escuro". Em segundo lugar, Monti tem o apoio da grande maioria do eleitorado do PD e seduz crescentemente a direita moderada de Berlusconi. Por fim, "nada será igual após 2013", assegura o analista Stefano Folli. Admite que, dado o estado da economia italiana e a funda deslegitimação dos partidos, surja como alternativa uma espécie de "grande coligação" - PD e PdL - chefiada não por Monti - que não estará interessado - mas por outro "professor" ou "independente".
Massimo Cacciari, filósofo e ex-presidente de Veneza pelo PD, antevê uma reorganização política em que será determinante a "herança montiana": uma coligação do centro com os "moderados" do PD e do PdL?
Os berlusconianos têm uma visão mais cosmética da mudança. Diz à Reuters um colaborador do Cavaliere: "Depois de Monti, tudo será diferente. Os partidos têm de apresentar novas caras e até novas estruturas, a fim de que a política recupere as suas credenciais de nobreza."
Em Janeiro, a crise de legitimidade dos partidos atingiu um histórico pico negativo - 4% de confiança dos cidadãos - sublinha o politólogo Ilvo Diamanti. A "popularidade" do Governo pode parecer paradoxal: é popular porque é capaz de tomar decisões "impopulares" - quer dizer que os italianos têm a consciência de estar "na borda do abismo". Diamanti teme o risco de emergência de "uma terceira República contra os partidos". É o fantasma que Napolitano tentou esconjurar ao nomear Monti e exigindo aos partidos que procedam a uma reforma política, começando pela lei eleitoral.
Que outro balanço fazer dos 100 dias? O Governo Monti tornou-se numa referência para o afrontamento da crise económica e financeira noutros países europeus, combinando a austeridade com reformas estruturais, de modo a dar aos cidadãos um horizonte de crescimento. Restabeleceu a credibilidade internacional da Itália: os juros da dívida baixaram quase para metade. Anulou - medida altamente simbólica - a candidatura de Roma aos Jogos Olímpicos de 2020. A Itália recuperou a iniciativa na cena política europeia, desafiando o domínio do eixo franco-alemão e fazendo "regressar" a Grã-Bretanha ao centro das decisões (a carta de David Cameron, assinada por 12 chefes de governo, foi uma iniciativa de Monti). Em Dezembro, o Parlamento aprovou em tempo recorde o plano Salva Italia, as medidas de austeridade e a reforma do sistema de pensões, o que travou a espiral vertiginosa dos juros. Seguiu-se o plano Cresci Italia, medidas de reforço da concorrência e de liberalização, que provocaram uma enérgica reacção de inúmeras profissões e lobbies.
Monti - o "homem por trás da economia mais perigosa do mundo" ou "o que poderá salvar a Europa" (Time) - está no auge do prestígio internacional. E também em casa. Tomando sucessivas medidas "impopulares", conserva uma invejável cota de aprovação: 61% dos italianos dizem confiar nele.
É neste exacto momento que as nuvens e ameaças se adensam. Joga-se não tanto a sobrevivência do "estranho Governo" mas a sua capacidade reformadora. No Senado foram apresentadas mais de 2000 propostas de emendas às liberalizações. Napolitano enviou na quinta-feira aos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados uma carta em que fundamentalmente diz: "basta" de manobras dilatórias.
As próximas semanas serão dominadas por um áspero embate político-social: a reforma do mercado do trabalho. Monti garante que, no caso de ser impossível um acordo com os sindicatos, avançará com a reforma e colocará os partidos perante as suas responsabilidades.
A reforma laboral - visando a flexibilização e a competitividade, a redução do trabalho precário e a abertura do mercado aos jovens - dilacera o PD, com estreitos laços com a maior central sindical - a CGIL -, também ela dilacerada e incapaz de assumir riscos. Para Monti, reside aqui o maior desafio:
Comentava ontem La Repubblica: "É verdade que não é com mais táxis e mais farmácias que a Itália resolve os seus problemas de baixo crescimento e de escassa competitividade. Mas é claro o alcance simbólico destas batalhas de modernização. Se as perder, [o Governo] não vai longe. As liberalizações e a reforma do mercado do trabalho são um banco de ensaio vital." A alternativa seria o "pântano".