Rubem Fonseca ganha prémio literário Casino da Póvoa e foi "o cara" no primeiro dia do Correntes d"Escritas
Rubem Fonseca está entre nós. O escritor brasileiro, que não participa no seu país em eventos literários nem dá entrevistas porque considera que o escritor deve ser reconhecido pela sua obra, tem sido uma simpatia com todos os seus leitores que o apanham desprevenido na Póvoa de Varzim onde está a participar na 13.ª edição do encontro de escritores de expressão ibérica Correntes d"Escritas. Ontem foi o seu dia.
De manhã, foi surpreendido com a atribuição do prémio literário Casino da Póvoa ao seu livro Bufo & Spallanzani. O júri, composto por Ana Paula Tavares, Fernando Pinto do Amaral, José António Gomes e Pedro Mexia, destacou que a obra premiada (20 mil euros) mostra "uma compreensão alargada das situações e problemas sociais".
À tarde, foi condecorado pelo Governo português e, pouco depois, transformou-se em escritor peripatético numa divertida conferência onde falou de literatura, escritores e loucura.
O autor de José, que é filho de pais portugueses, recebeu a Medalha de Mérito Cultural das mãos do secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, que lembrou que não há livro onde não haja um personagem português, vinho e livros portugueses. Colocou-lhe ao pescoço a medalha com a fita com as cores da nação e Rubem Fonseca agradeceu, emocionado: "Meu sangue é português. Agradeço receber esta medalha mais do que merecida!" E toda a gente riu.
"Leiam Camões!" foi com esta frase, atirada de cima do palco, que Rubem Fonseca se despediu dos leitores que o aplaudiam de pé e para quem, pela segunda vez no dia, tinha recitado um soneto de Camões.
Todo o santo é louco
O autor de A Grande Arte participava numa mesa em que o tema era A escrita é um risco total, uma frase do ensaísta português Eduardo Lourenço que é o homenageado desta edição (a revista literária lançada ontem no festival é toda dedicada a ele) e também participou na mesa do escritor brasileiro ao lado de Almeida Faria, Hélia Correia, Ana Paula Tavares. Uma hora antes, D. Manuel Clemente fez uma magnífica conferência de abertura sobre a identidade portuguesa.
"A escrita é um risco total?", perguntou Rubem Fonseca de microfone na mão e a andar de um lado para o outro no palco porque é "uma pessoa peripatética". Lembrou a frase "Escrever é uma forma socialmente aceite de esquizofrenia", do escritor americano Doctorow. "Bem. Ele errou relativamente à esquizofrenia. Na verdade escrever é uma forma socialmente aceite de loucura. Nesta mesa somos todos loucos, cada um à sua maneira!". E apontando com o dedo para as pessoas que enchiam o segundo balcão da sala, lá no alto, dizia: "Vocês aí em cima também, leiam um texto magnífico do Foucault que se chama A loucura e a escrita literária, sobre a relação entre loucura e escrita literária." E continuava: "Vocês estão-me ouvindo aí em cima, meninos? Não basta ser louco, também tem que se ser alfabetizado. Só existe um caso de escritor analfabeto (nessa altura já o público se ria às gargalhadas). Ocorreu no século XIV, o nome do escritor era Catarina de Siena, tinha de ser uma mulher, né? Agora, era uma santa e isso podia ser um milagre. E como santa era louca, porque todo o santo é louco e nós sabemos disso."
Então, para Rubem Fonseca, o escritor tem de ser: louco, alfabetizado, fazer o leitor sentir e acima de tudo fazer o leitor ver para dentro. "Ele precisa de ser inteligente?", pergunta. E relembra o escritor Somerset Maugham que dizia que conheceu centenas de escritores e "poucos, muito poucos eram inteligentes". Fonseca desata a rir à gargalhada. Acrescenta que "sem motivação não se faz nada", a motivação é outra característica do escritor. Tem de ter também paciência. E tem de saber "que não existem sinónimos, estão ouvindo?! Cada palavra tem um significado diferente. Essa coisa de sinónimos é conversa mole" de gramáticos. "Ele tem de ser louco (coisa principal), alfabetizado (não precisa de ser muito). Tem de ser paciente e falta uma coisa. Ele tem que ser imaginativo! O escritor tem de ter imaginação. Temos que INVENTAR. Estão a ver, meninos?"
De vez em quando, no seu discurso, Rubem Fonseca falava com sotaque português e terminou, dirigindo-se ao público: "E vocês aí não pensem que não sendo escritores também não são loucos!" Tudo acabou com a leitura do tal soneto de Camões com a sua voz possante emocionando a plateia, que aplaudiu de pé.