Romeu e Julieta contra o tumor

Se se disser que este é um filme sobre a luta tenaz e persistente de um jovem casal parisiense contra o tumor maligno do seu filho de dois anos, é provável que a primeira coisa que venha à cabeça seja a ideia de um melodrama de puxar à lágrima, cheio de cordas delicodoces, sofrimento digno, etc., etc. Ainda por cima, Valérie Donzelli e Jérémie Elkaïm, ambos actores e argumentistas, ela também realizadora, estão a ficcionar sobre a sua própria vida - o casal parisiense eram eles, o filho com um tumor era o filho deles, Gabriel. E depois, muito rapidamente, percebemos que, à imagem do seu título, não é absolutamente nada disso que “Declaração de Guerra” é, e ainda bem que não o é.


Valérie e Jérémie transfiguram-se em Roméo e Juliette, e nessa assunção dos nomes do casal de Shakespeare cujo amor declarou guerra à morte define-se a recusa terminante do melodrama lacrimejante por parte da dupla. “Porque é que isto nos aconteceu?”, perguntam a certa altura, e respondem “Porque somos capazes de ultrapassá-lo”. Sem pedir compaixão nem armarem-se em duros, sem cair nos lugares-comuns do filme da doença, Donzelli e Elkaïm falam, mais do que da doença, do amor, do amor em luta, do modo como a provação que têm de atravessar juntos os une, como essa luta dá à vida e ao amor uma nova força, um novo objectivo. Filmando com uma urgência veloz e sôfrega, Valérie Donzelli assume uma dimensão de filme pop, intuitivo, celebratório, perseguindo a emoção de modo enxuto e sem se abandonar à comiseração, porque este é um filme sobre a recusa de baixar os braços e a vontade de afirmar cada momento da vida como se fosse o único. E fá-lo com uma energia vital de fazer inveja a muito boa gente.

Mas é complicado manter essa energia sempre ao mesmo nível durante hora e meia, inevitavelmente ela começa a esgotar-se - porque mesmo uma luta contra o desespero acaba por se tornar uma rotina com o correr do tempo, como também se mostra - e quando isso acontece Donzelli não sabe muito bem como a substituir, o motor começa a abrandar, o filme começa a afundar-se num convencionalismo que não se esperaria nem se desejaria, como se a fadiga do combatente acabasse por contaminar o filme. Isso não anula o que de bom há em “Declaração de Guerra”, e sobretudo apenas reforça a sua admirável recusa de ser mais um filme sobre a doença. Mas torna-o num filme desequilibrado pela sua própria ambição, cuja recusa do pudor bem-comportado e desejo celebratório paredes meias com a exposição da intimidade corre demasiadas vezes o risco de ser simples energia a rodar em seco.

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