Um gestor de topo com gosto pela política

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No sentido dos ponteiros do relógio: Catroga na sua primeira ida ao fotógrafo; na primeira excursão à Arrábida, com 15 anos ; na tropa; em Harvard; a receber um prémio escolarCatroga com dois dos seus netos e o pai na escola primária que frequentou miguel Manso

Não tem partido, mas não esconde o gosto pela política, que ganhou quando foi ministro das Finanças do seu amigo Cavaco Silva. Recentemente, foi o homem-chave do PSD em negociações com o PS e a troika. Começou novo como senhor CUF. Agora será o senhor EDP.

Eduardo Catroga toma hoje posse como presidente do Conselho de Administração da Electricidade de Portugal (EDP), por escolha dos accionistas. A sua indigitação foi criticada por causa da proximidade deste gestor de carreira ao PSD e ao actual Governo. Uma contestação que é rejeitada por figuras como Octávio Teixeira, ex-líder parlamentar e antigo dirigente do PCP, amigo de Eduardo Catroga desde a Escola Comercial de Lisboa. "Tem competência e currículo para o cargo, não tenho dúvidas, é um gestor de nível internacional", afirma, frisando que Catroga é presidente da SAPEC Internacional (grupo de produtos químicos e agro-alimentares), além de vogal da EDP, do Banco Finantia e da Nutrinveste (empresa de produtos alimentares). "Digo isto sem ter a ver com a amizade pessoal que nos une. Também não me pronuncio sobre a forma como foi indigitado. Agora, que tem currículo absolutamente para o cargo, tem."

Igualmente Manuela Ferreira Leite, antiga ministra das Finanças e da Educação, ex-presidente do PSD e amiga pessoal de Catroga, não tem dúvidas em afirmar que "ele é competente para o cargo da EDP". "Além de ter currículo, é dinâmico e empenhado no que faz, pelo que será um bom presidente, não o estou a ver a desempenhar funções tipo rainha de Inglaterra, não serve para enfeitar, impulsiona, estuda os dossiers."

O próprio Eduardo Catroga conta que foi "convidado por iniciativa dos accionistas portugueses que delegaram em Vasco de Mello", por quem foi sondado e a quem respondeu que "aceitava se tivesse o consenso".

Confrontado com a polémica e com as acusações de ser um boy do Governo, conta, em tom de anedota, que, no mesmo dia da assinatura do contrato, "o chairman chinês" convidou-o para almoçar, "no Hotel Mirage no Estoril, onde estava hospedado". "A certa altura, ele perguntou-me: "O senhor é do partido?" Respondi: Não, não sou. E ele disse: "Então por que o escolheram? Com estas missões todas políticas, não é militante?"" É com um sorriso que explica: "Só Marques Mendes me convidou para assinar a ficha, estive quase, mas não assinei. O Luís Filipe Menezes convidou-me para ser vice-presidente e eu nem militante era. Fui ministro pela minha relação pessoal com Cavaco Silva."

Também João Dotti, presidente da empresa têxtil FISIPE, antigo dirigente do CDS e amigo pessoal de Catroga afirma: "Com certeza que é uma boa escolha, ele já lá estava há seis anos, a convite do ministro Manuel Pinho, como representante dos independentes. Ele era o homem mais bem preparado. Talvez houvesse outro, mas ele era dos mais bem posicionados. Não tenho nenhuma dúvida de que ele é uma boa escolha e a pessoa mais indicada." E a título de explicação, contrapõe: "Sabe? Os pais tinham posses e ele sempre ganhou o que quis, isso irrita as pessoas. O que sempre irritou as pessoas no Catroga, é ele ser autónomo financeiramente, logo, um espírito independente."

Luís Filipe Pereira, antigo ministro da Saúde e antigo secretário de Estado da Segurança Social e, depois, da Energia, representante do Grupo José de Mello no Conselho de Administração da EDP, frisa que Catroga entra naquele órgão de gestão da EDP em 2006, como representante dos pequenos accionistas, quando o Grupo Mello era representado por Vasco de Mello, que Pereira substituiu em 2010. E afirma: "Agora, o convite para presidente foi dos privados e Vasco de Mello esteve muito envolvido. Ele tem um currículo de provas dadas, é um gestor de carreira que desempenha missões na política."

O trio sagrado

E se a independência de pensamento e autonomia financeira são motivos que fazem Eduardo Catroga ser olhado de modo peculiar, a sua relação com Aníbal Cavaco Silva é outra das características que o distinguem. Com Cavaco e com Manuela Ferreira Leite, com quem constitui uma espécie de trio sagrado e impenetrável. O próprio foge a falar sobre o assunto. Apenas diz que conheceu Cavaco Silva e Manuela Ferreira Leite nos anos sessenta, quando se lhes juntou como assistente no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF). Também Manuela Ferreira Leite é lacónica sobre esta amizade. E apenas confirma que se conheceram na Faculdade.

Por seu lado, Paulo Padrão, antigo assessor de imprensa de Catroga, quando este foi ministro, hoje a trabalhar no Banco Espírito Santo, tenta abordar esta relação afirmando: "A relação Cavaco, Ferreira Leite, Catroga é peculiar. É mais do que amizade. Têm uma intelectualidade comum, fazem uma síntese geracional. Eles não falam sobre isso. Não se sabe como é concretizada esta amizade, se é no churrasco de domingo, se no apadrinhar dos filhos. Mas que existe, existe. Contudo, é preciso ter em conta que Catroga não deixará nunca de discordar de Cavaco, mesmo publicamente. E fê-lo recentemente, dizendo que o Presidente não tinha razão ao criticar a falta de equidade fiscal do Orçamento."

É à proximidade com Cavaco, de quem foi ministro das Finanças entre 1993 e 1995, que Catroga deve a sua presença na política, na qual desempenhou nos últimos meses três tarefas de monta, em nome do PSD. "A política ficou latente nele e no período de um ano e poucos meses é ele quem, em nome do PSD, lidera o Orçamento de Estado para 2011, é ele quem faz as negociações com a troika e o programa eleitoral", resume Paulo Padrão, dando o passo em frente: "Teve um papel fulcral no gizar da política e é uma injustiça que não tenha tido um papel na sua execução. Mas ele neste Governo teria de ser demasiado hegemónico para poder correr bem. Ele quereria mais do que dizer só se há ou não há dinheiro. Iria com poder e missão multidisciplinar. Ele é um grande decisor. É isso que o define. Ele é brilhante a escolher os caminhos. Mesmo que tenha de ceder aqui para retomar mais à frente em posição mais vantajosa."

Patinha Antão, seu chefe de Gabinete enquanto ministro, afirma mesmo: "Catroga foi uma espécie de chairman do PSD em representação do partido e do Governo." E sustenta que um dos traços que caracterizam Catroga é a sua constância e visão estratégica. "É uma pessoa constante, vive com a família, filhas, genros, netos, em família alargada [numa mesma casa em Lisboa que comprou há décadas e que dividiu em três]. E tem uma visão estratégica sobre a vida e sobre si mesmo que sempre o conduziu. É profissionalmente constante também." Por isso, Patinha Antão está convencido de que a hipótese de Catroga integrar o actual Governo nunca se pôs de facto na sua cabeça.

Não a Passos

O próprio Catroga recusa falar sobre a questão e apenas diz que fica para as suas memórias. Mas a reconstituição que o P2 fez dos factos aponta para que Catroga teria sido o que quisesse neste Governo. Só que não quis. Tinha negociado o Orçamento de 2011 com José Sócrates, que ficou para a história como o "OE do telemóvel", devido à capacidade de gestão mediática que o levou a tirar uma fotografia da assinatura do acordo entre si e o ministro socialista Teixeira dos Santos. Tinha tentado, nas negociações do Memorando de Entendimento com a troika, constituída pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, que o prazo de cumprimento do acordo fosse de quatro e não três anos. Em Março de 2011, tinha começado a elaborar o programa do PSD para as eleições que acabaram antecipadas para 5 de Junho. E logo então terá manifestado a Passos Coelho a sua indisponibilidade para ministro das Finanças. Argumento: ninguém volta ao lugar onde foi feliz. Além de que, então com 68 anos, não se via a voltar a funções executivas.

Fez o programa, pedindo contributos a figuras diversas, mas sempre com a mesma atitude: "Faça-me um documento de 20 páginas e uma versão mais curta, como se fosse o ministro." O que acabou por gerar confusões, já que alguns dos interpelados pensaram mesmo que seriam ministros. Assim, para a Educação, pediu a Santana Castilho, Nuno Crato e David Justino. Para a Política Externa, a Braga de Macedo, Martins da Cruz e Vítor Martins. Para a Justiça, a Daniel Proença de Carvalho e a Paula Teixeira da Cruz. Para as Finanças, a Miguel Cadilhe, Miguel Frasquilho, Vítor Bento, Daniel Bessa e Vítor Gaspar. E avisou este último que o ia propor para ministro.

A 25 de Abril, entregou o programa, que a direcção do PSD alterou em três ou quatro pontos. Catroga não falava em privatização da Caixa Geral de Depósitos, a baixa da Taxa Social Única (TSU) não era progressiva, e falava de uma política fiscal de emergência com aumento de IRS e sobretaxas, que Passos e a sua direcção tiraram do programa, mas que depois fizeram quando no poder.

Passos foi indigitado no dia 15 de Junho, quarta-feira, e apresentou o Governo na sexta. Na terça à noite, jantou com Catroga. Catroga seria o que quisesse. Ministro das Finanças, da Economia, segunda figura do Governo com superpoderes. Na quinta de manhã, disse definitivamente que não a Passos e partiu para Paris, para presidir a um Conselho Geral da SAPEC. Passos convidou Vítor Bento. Este recusou. E ao fim do dia de quinta-feira, Passos telefonou a Catroga, que já estava em Paris, a pedir o número de Vítor Gaspar.

O jargão e os pudicos

Para a decisão de não ser ministro, bem como para a insistência de Passos, não pesou o facto de ter usado a palavra "pentelhos" numa entrevista à SIC Notícias, antes das eleições. O próprio Catroga explica como isso aconteceu: "Estava em ritmo acelerado, tinha de dar as entrevistas entre segunda e quinta-feira, pois o programa foi aprovado num domingo e eu viajava na sexta para uma reunião da SAPEC Brasil." E prossegue: "Quis falar com todos. Mas, francamente, havia jornalistas que se via que nem o programa tinham lido. Estava cansado e irritado por isso e acabei por dizer aquilo ao José Gomes Ferreira [jornalista que o entrevistou]", justifica. Pormenorizando: "Ele [o jornalista] convidou-me para o programa, eu pensei que ia ter o programa todo para explicar as propostas, mas era só meio programa. O José Gomes Ferreira não saía da TSU e eu, a ver o tempo passar, disse aquilo." Mas comenta: "É uma expressão que na minha zona, Abrantes, é um jargão popular, mas apareceram logo umas figuras pudicas. Foi um clímax de irritação, pela falta de qualidade das perguntas."

Mesmo sem "jargão popular", Catroga foi sempre uma figura mediática peculiar. Já como ministro das Finanças era conhecido como "avô Cantigas", pela sua aparente bonomia, assim como o "Senhor Retoma", pela insistência com que anunciava a retoma da economia. "Ele usava sempre a expressão retoma. Eu dizia: "Os jornalistas já não querem ouvir isso". Mas ele respondia que era o que tinha a dizer", conta Paulo Padrão, acrescentando: "Ele desenvolveu capacidade de comunicação, mas será sempre o que é intrinsecamente, entre aquilo que pensa e aquilo que é politicamente correcto, irá sempre dizer aquilo que pensa. Se não sai bem, sai mal, mas sai. Foi isso que aconteceu na entrevista."

Ministro de Cavaco

O convite de Passos para o Governo não foi o primeiro que recusou. Já antes "tinha recusado integrar um Governo de Mário Soares, como secretário de Estado do ministro Sousa Gomes [1976]", confirma Catroga. "Depois recusei ser ministro dos Assuntos Sociais de Nobre da Costa [1978]. E mesmo Cavaco já me tinha convidado primeiro para a Agricultura e depois para as Obras Públicas ou para o Turismo. Foi Ferreira do Amaral. Além disso, recusei um convite de Cavaco para ir para vice-governador do Banco de Portugal, quando o António Borges saiu [1993]. Mas aí disse-lhe: Se o próximo convite for motivante, aceito."

É com manifesto senso de humor que relembra a história. "Em finais de Junho de 1993, o Cavaco telefonou-me a perguntar se eu ia ao Algarve. Eu respondi que não sabia se iria ao Algarve ou para a Praia das Maçãs e disse-lhe que provavelmente faria férias em Dezembro, pois tinha-me habituado às praias tropicais. Ele apenas disse: se fores ao Algarve, aparece. Não fui. Ele ficou com aquilo na cabeça. E, em Setembro, mandou-me um cartão a dizer: "Economista não faz férias em Dezembro, muito menos em países tropicais." Percebi que estava dizer-me algo." E Catroga prossegue sobre Cavaco: "Em Outubro, chamou-me e deu-me um relatório do Orçamento do Estado para 1994. E perguntou-me se o compromisso se mantinha. A 1 de Dezembro chamou-me ao gabinete. Eu perguntei se podia ir fardado à fim-de-semana. Convidou-me para as Finanças, que eu não estava à espera."

Sobre o seu consulado nas Finanças, entre 1993 e 1995, e sobre a tentativa de comparações da recessão de então com a crise actual, apenas diz que "não se podem comparar contextos". Vasco Valdez, que foi seu secretário de Estado das Finanças, também é da opinião que "não se podem comparar as crises, além de que a autonomia do escudo dava mecanismos que hoje não há". Mas salienta que o facto de "ele vir do mundo empresarial ajudou muito": "Ele conjuga o lado académico com a sua longuíssima experiência de gestor de topo. Conhece muito bem o mundo empresarial." E acrescenta: "Tem uma visão muito integrada dos problemas, não faz uma gestão casuística. Traça objectivos e são para cumprir. Faz diagnósticos, tão rigorosos quanto possível, com apostas em várias frentes e, depois, é para cumprir. Como faz nas empresas."

Patinha Antão considera mesmo que "visto à distância, é curioso o convite para as Finanças, o tempo mostra que foi uma escolha extremamente acertada para gerir um projecto ambicioso de reformas, escolher um grande gestor, habituado a gerir equipas e a traçar objectivos e cumpri-los num tempo estabelecido. Isto não é normal nos ministros das Finanças que vêm da Academia".

E, recorda o antigo chefe de gabinete, "o país estava em recessão, havia falta de receita aduaneira, por causa do impacto do fim das fronteiras, ao que se somou uma recessão internacional e, claro, a falta de competitividade da economia portuguesa". Sobre isto, Catroga apenas diz: "A maioria dos empresários portugueses ainda não ganharam competitividade inovadora. Nós somos só competitivos pelos custos baixos do trabalho. O peso salarial é o que pesa. A redução dos custos do trabalho surge porque estas empresas ainda competem sem inovação".

Aliás, a sua crítica aos empresários portugueses era já manifestada à época. É João Dotti que conta: "Uma vez, quando ministro, a falar para empresários, contou que o pai dele, depois de saber que ele era ministro, lhe dizia: "Agora é que vais meter os bancos na ordem." E ele continuava para os empresários: "Eu expliquei ao meu pai que não tenho poderes para tanto." E falava como quem estivesse a dizer aquilo mas era àqueles empresários à sua frente. E prosseguia: "Mas eu disse ao meu pai que as empresas têm de ter balanços reais para os bancos darem crédito." Era uma indirecta para aquelas empresas que dão sempre défice, mas não fecham."

Vasco Valdez conta que "o ministro reunia directamente com os responsáveis das Finanças. Sabia que este sector era fundamental, em 1993 houve a abolição das fronteiras aduaneiras e uma crise de receita. Houve um diferencial de 4%". Além disso, Valdez diz que "são do tempo dele trabalhos que ainda hoje são referência". E lembra que foi ele quem "pediu a Silva Lopes para presidir à comissão da reforma do sistema fiscal, que fez as propostas que ainda hoje continuam em prática, mas que ficaram prontas já com o seu sucessor, Sousa Franco.

A penhora das Antas

A sua intransigência no cumprimento dos objectivos fiscais criou um dos casos do seu mandato: a penhora das Antas. A penhora do estádio do Futebol Clube do Porto fora decretada por uma repartição fiscal, mas o ministro não recuou. Paulo Padrão recorda: "Ainda hoje não se sabe se foi armadilha. Uma secção de finanças decide penhorar o estádio pelas dívidas do Futebol Clube do Porto e às três da tarde estava o Pinto da Costa nas televisões a dar uma conferência de imprensa com hooligans à volta e um cartaz a dizer: "Catroga, a retrete ainda aqui está". Ele manteve-se inamovível e disse que se os serviços determinaram, estava determinado."

Para superar a crise, o antigo ministro lembra ao P2: "Criei o IVA social no OE de 1994, subi o IVA de 16 para 17%, este 1% era para a Segurança Social, e baixei a TSU para 23,75%. Hoje o IVA passou já para 23% e a TSU mantém-se em 23,75%". E acrescenta: "Tive uma política salarial de contenção, reduzi o número de funcionários, baixei a despesa pública. O objectivo era cumprir os critérios de Maastricht para aderirmos à moeda única e cumprimos."

Patinha Antão sublinha que "Catroga quase que fez um acordo de concertação social com Torres Couto, só não aconteceu porque o Governo não quis, pois não ficaria assegurada a redução salarial. Em 93-95 houve uma redução real dos salários da função pública de 3%, que era indispensável como sinal para as empresas ganharem competitividade".

Prossegue ainda o antigo chefe de Gabinete: "As privatizações foram intensificadas, não só as mais conhecidas, e foram fundamentais para a consolidação orçamental." E o próprio Catroga assume a sua obra neste domínio, no livro Política Económica - 22 meses no Ministério das Finanças, que fez quando saiu do Governo: "Entre 1994 e Julho de 1995 o plano de privatizações previa uma média de uma operação por mês, objectivo que foi excedido" (p.278).

Luís Filipe Pereira, então secretário de Estado da Energia, relata: "No Governo, quem contactava com ele era o meu ministro, Mira Amaral. Já pensávamos em privatizar EDP e Galp. Mas Catroga privatizou o Totta, que foi comprado por António Champallimaud, e o Banco Português do Atlântico [BPA]." É então que nascem algumas das inimizades que ganhou, afirma Patinha Antão. "Jardim Gonçalves tinha feito proposta para o BPA e foi obrigado a fazer a OPA geral". E Paulo Padrão acrescenta: "Criou inimizade com Belmiro de Azevedo por causa do BPA, o Belmiro liderava o núcleo duro que foi à primeira fase. Depois o BCP lança a OPA e o Estado teve de vender. E Belmiro opôs-se."

Preocupação com a dívida

Mas a consolidação orçamental foi conseguida. "Em 1993 o crescimento tinha sido de -2,5%, em 1994 foi de +1% e em 1995 de +3%. Quando saí já tínhamos recuperado. Em 95 crescemos mais do que a Espanha e do que a média europeia. O crescimento manteve-se até 2001, então já estávamos mais desequilibrados do que a Espanha", resume o próprio Catroga, garantindo que "o primeiro Governo de António Guterres foi altamente despesista, num período de vacas gordas. E depois José Sócrates descobriu engenharias financeiras do faça-a-obra-hoje-e-pague-amanhã. Endividou o país e a crise internacional fez o resto".

Uma crítica que se segue ao alerta sobre a dívida por si deixado no livro sobre o seu mandato: "Isso requer que se prossiga o esforço de contenção orçamental e de consolidação das contas públicas, particularmente nos anos de 1996 e 1997. Essa consolidação exige que os objectivos do programa de reprivatizações para 1996 e 1997 sejam alcançados, tanto mais que, para além da parcela da receita ainda a afectar a reestruturações financeiras necessárias de algumas empresas públicas, o maior quinhão deve ser aplicado na redução da dívida pública" (p.266-267).

Este livro é, aliás, outra peculiaridade de Catroga. Foi o único ministro a fazer uma obra de balanço do seu mandato e com orientações de futuro. "É um documento de alguém que está habituado a dar contas aos accionistas e aqui foi a todos os portugueses. No livro não há nada para dourar a pílula, é um relato objectivo e documentado, de responsabilidade maior", garante Patinha Antão, que revela: "Ele tem uma capacidade de redacção extraordinária, foi mesmo ele que escreveu o livro, o gabinete depois forneceu os quadros. Ele escreve a lápis, com letra constante, quase não usa borracha. E depois reescreve, corrige, mas na primeira forma está já lá tudo articulado. Mostra que tem um pensamento perfeitamente articulado. É uma qualidade invulgar." E João Dotti frisa: "Uma das coisas que sempre admirei nele é o poder de síntese. Ele publicou o livro do mandato, foi à Associação Industrial Portuguesa [AIP] apresentá-lo e fê-lo sem um papel, sem uma nota, sem nada. Fiquei admirado como ele, em meia hora, conseguiu fazer aquilo."

A passagem de Catroga pelo Governo não lhe trouxe grandes amizades. O próprio confessa que apenas ficou amigo de Fernando Nogueira. E, frontal, sublinha: "Na política, há pessoas interessadas em servir o interesse público e outras em servir-se." Paulo Padrão confirma que a atitude de Catroga não lhe trazia popularidade. "Eram tempos duros. Havia vontade de mudança. Era de um desgaste absoluto. E uma da características que revelou e que prevalecem hoje é que ele tinha, e tem, uma capacidade de resistência e uma intensidade que não aparenta".

Relação umbilical

O ex-assessor do ministro defende que "Catroga tinha uma visão do Ministério das Finanças de que este era um poder dentro do poder, o que levado ao extremo o podia colocar em oposição ao primeiro-ministro e o levava a contrariar o Conselho de Ministros". E prossegue: "Ele tinha uma relação directa e umbilical com o primeiro-ministro e era visto de forma muito preferencial pelo próprio. Havia conselhos de ministros e consensos, mas eles articulavam primeiro os dois. A partilha com os outros, era uma concessão."

Esse estatuto contribuiu para que "o final do ciclo" fosse marcado "por algumas injustiças", afirma Padrão. "Ele era uma espécie à parte no Governo. E, no caso da Ponte [em 1994, populares bloqueiam a Ponte 25 de Abril em protesto contra o aumento das portagens], Ferreira do Amaral tentou entalá-lo. Há uma informação que é passada para O Independente a dizer que aquilo tinha sido fruto da inexperiência política de Catroga, que tinha despachado aquela portaria. Era mentira. A decisão era do ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral, que tinha como assessor João Líbano Monteiro", conta o antigo assessor de imprensa de Catroga: "Eu estava no hospital. Ele ligou-me a dizer "amanhã temos de resolver isto e contar a verdade no Expresso". Eu disse que a notícia estava manipulada e que teríamos de explicar isso aos jornalistas com quem falássemos. E ele disse: "É para contar a verdade. Eu não aceito isto"." Paulo Padrão conclui: "As relações com os outros ministros eram distantes. Todos os ministros importantes viviam numa lógica palaciana que não era a dele. Ele governou como um gestor, geriu os dossiers e levou-os até ao fim. Tomou decisões como ministro que não sei se eram as ideais, mas foram as melhores, com os meios e as informações disponíveis. E nunca foram redundantes."

Se não criou grande amizades no Governo e no PSD, na política reencontrou amigos. O próprio Catroga lembra que "na primeira interpelação ao Governo", Cavaco lhe disse para levar Falcão e Cunha, ministro do Trabalho e Segurança Social, consigo "para se for preciso alguma coisa". E ironiza: "Quando entrei no hemiciclo, estava no PCP o meu amigo Octávio Teixeira e o Lino de Carvalho, que tinha feito a tropa comigo. No PS estava o Ferro Rodrigues, de Económicas. Só na bancada do PSD não conhecia ninguém. No CDS estava o Nogueira de Brito. E eu cumprimentei-o, lembrando que ele fora o meu professor assistente de Direito Corporativo. Houve chacota e ele, na resposta, brincou comigo a dizer que eu tinha sido o seu melhor aluno de Direito Corporativo."

Já Octávio Teixeira relata que a primeira vez que se encontram na comissão de economia, Catroga o tratou por tu. "Eu é que tive de lhe chamar à atenção que ali não podia ser assim. Ele não é nada presunçoso. Tem a sua "vaidade" técnica mas não faz uso disso para denegrir quem quer que seja." E o antigo líder parlamentar do PCP frisa: "Do ponto de vista pessoal, Catroga é um individuo absolutamente afável, muito amigo dos amigos, gosta de comer, é um bom garfo. Em termos de conversação, tem as suas posições políticas que mantém, mas é muito aberto." E sublinha: "Mesmo quando foi ministro manteve a presença nos almoços da Trindade [que reúnem mensalmente a tertúlia dos antigos alunos do Instituto Comercial de Lisboa]. Havia na altura até amigos comuns que o questionavam: "Como vais almoçar com o Octávio e depois na Assembleia da República andam à cabeçada?""

Um gestor internacional

Quando deixa o Governo, Catroga volta a dar aulas em Económicas e regressa à SAPEC como vice-presidente do Conselho Geral da empresa em que entrara em 1981 como presidente da comissão executiva, cargo que ocupara até ir para ministro. "Voltei já não como chefe executivo. Pensava que aos 60 anos teria funções apenas de supervisão, acabei por conseguir isso aos 53", confessa. Em 2002, passa a presidente.

É a chegada ao topo da gestão empresarial, de uma vida iniciada a 14 de Novembro de 1942, em São Miguel do Rio Torto, aldeia a 8 quilómetros de Abrantes, onde fez a primária. "Na aldeia fui o único a ter distinção na quarta classe. A professora ainda é viva. Diz que teve dois alunos especiais, um que foi ministro e outro general. Tem 81 anos. Liga-me quando me vê na TV."

Operário de preparação da cortiça e mais tarde industrial do sector, o pai de Catroga aceitou que ele não fosse para um colégio privado, como lhe estava destinado, mas para a então criada Escola Industrial de Abrantes. "Aceitou porque dava para o curso do Salazar, ele pensava que o Salazar era de Finanças e não de Direito", recorda Catroga. Acabou por andar em Económicas e depois passou para Histórico-Filosóficas: "Tive de convencer o meu pai a autorizar a mudança de curso."

Seguem-se, aos 14 anos, Lisboa e a Escola Veiga Beirão e depois o Instituto Comercial de Lisboa. Em 1961, entrou directo em Económicas, a escola da sua vida, cuja Associação dos Antigos Alunos fundou, em 1991, sendo o sócio número um e tendo presidido durante três mandatos. Patinha Antão afirma: "Ele, como aluno do ISEG, era uma lenda. Eu acabei em 1970 e nessa altura ele ainda era famoso, foi muito premiado e aos 31 anos era administrador da CUF, que era a referência da gestão."

É em Económicas que tem o primeiro contacto com o grupo CUF. "Recebi vários prémios, no final recebi o Prémio Alfredo da Silva para a nota mais alta do curso." Mas, pelo caminho apresentava-se a tropa em tempo de Guerra Colonial. "Em 1966, quando acabei o curso, era hábito que os melhores alunos fossem para a Marinha. Concorri. Cheguei a receber um postal para ir apresentar-me no Alfeite e depois outro a dizer que não. Eles pediam informação à PIDE. Eu participei em abaixos-assinados."

Pede adiamento militar. E é convidado para o gabinete de estudos e informações do Ministério das Finanças. "Representei o Ministério nas equipas do Plano de Fomento Nacional e no Relatório do Orçamento do Estado de 1967 e na Lei de Preparação de Meios." Nesse ano de 1967 casa com a estudante de Farmácia Maria Arlete, que namorava desde 1963 com quem tem duas filhas - Teresa, médica, nascida em 1970, e Clara, gestora, nascida em 1968 - e quatro netos, entre os 20 e os 14 anos.

Em Outubro de 1967 vai fazer a recruta a Mafra. Segue-se a Administração Militar no Lumiar, em Lisboa, onde tem como colega António Carlos de Mello Champallimaud, filho do António Champallimaud e Cristina Mello Champallimaud, irmã de Jorge e de José Manuel de Mello. Entra para o Grupo CUF, em part-time, a ganhar 4500 escudos mês (22,5 euros). Ao fim de um ano, vai para assistente do director da Empresa Geral de Fomento do Grupo CUF. É o início da sua carreira de gestor, que passa a acumular com as aulas no ISCEF e com a tropa. Em 1971, era administrador delegado da CUF quando Vístulo de Abreu o requisita para assistente para fazer uma reforma das metodologias de gestão da CUF com assessoria da McKinsey, empresa internacional de consultadoria de gestão. "Fui o primeiro administrador delegado fora da família Mello e, dentro da CUF, passei a ser conhecido pelo McKinsey."

Rapidamente sobe a director financeiro e de planeamento e controlo de gestão. "Aos 30 anos passei de 20 contos para 50 contos[de 100 para 250 euros] mensais. Já em 1975, passa a administrador financeiro e à comissão executiva e o ordenado sobe para cem contos mês [500 euros], que baixará para 50 com a adopção por Vasco Gonçalves do salário salário máximo e do salário mínimo, que era de três mil escudos (15 euros). "Teve uma ascensão rapidíssima e por mérito próprio", garante João Dotti, que já estava na CUF quando Catroga chegou. E Luís Filipe Pereira, que à época estava na empresa Sovena, afirma: "A CUF era o grande grupo, era o mais avançado em gestão. Tinha planos estratégicos, numa época que em Portugal ninguém sabia o que isso era. Era a grande escola de gestão."

Quando a CUF é nacionalizada, Catroga mantém-se na administração. Tinha 33 anos. Em 1978, integra com a CUF a Quimigal e assume a vice-presidência. Tira então uma pós-graduação em Gestão na Harvard Business School, nos Estados Unidos, com uma bolsa (1979/80). "Lá tive uma cadeira sobre comportamento organizacional onde aprendi que há um contrato psicológico com as organizações e pensei para comigo: eu vou conseguir sair da CUF."

Isso acontece em 1980: "Quando o António das Neves sai da presidência, o Bayão-Horta era o ministro e convidou-me de novo para vice. O presidente ia ser o Ricardo Cabrita. Eu recusei. Ainda não tinha alternativas. Mas em 1981 estava na SAPEC, como presidente executivo." No ano seguinte, acumula com a administração não executiva da empresa internacional de fabrico de cabos General Cable (Celcat) e, em 1983, também com a empresa de Gás BP.

"Tinha o mérito de ser o esteio da Quimigal, merecia ter sido presidente, o Bayão-Horta foi buscar o Cabrita porque, provavelmente, era mais maleável para o poder político", sustenta categórico João Dotti. Então já administrador da empresa FISIPE, que "era 60% da CUF e 40% dos japoneses, por isso não foi nacionalizada, por ser estrangeira", João Dotti lembra: "Catroga sempre apoiou e defendeu a FISIPE e esteve atento às dificuldades. Havia uma grande pressão para passar as acções da CUF na FISIPE para o Instituto de Participações do Estado e Cartoga opôs-se sempre."

É ainda João Dotti que relata uma história pessoal para mostrar o carácter e a independência de Catroga como gestor: "Tive dificuldades financeiras ao início na FISIPE, até me cortaram o ordenado. E, em conversa com ele, surgiu a ideia de que eu alugasse a minha casa de família em Vila Franca a um colégio e a FISIPE alugava-me uma casa, como fazia para o administrador japonês." E prossegue: "A certa altura, a minha casa veio nos jornais, com fotos e tudo, porque a comissão de trabalhadores fez alarido que era cara. Os outros administradores da CUF queriam que eu saísse da casa e o Catroga foi muito duro e manteve a posição que eu ficava e ainda hoje moro nessa casa, passados 30 anos. Isto mostra que sabe manter posições e não vai atrás de pressões nem de modas."

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