Torne-se perito

Conversa entre Gaspar e Schäuble desfaz garantias de que resgate actual é suficiente

Foto
Declarações de Schäuble "não têm qualquer elemento de novidade", disse Vítor Gaspar aos jornalistas DANIEL ROCHA

Em Bruxelas, ninguém sabe o tipo de ajustamento que o Governo e os líderes europeus terão em mente para Portugal, depois de serem "tomadas decisões substanciais sobre a Grécia"

A conversa captada na quinta-feira pela TVI entre o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, e o seu homólogo alemão, Wolfgang Schäuble, causou a maior surpresa em Bruxelas pelo facto de dar a entender que um eventual ajustamento do programa de ajuda a Portugal poderá impor-se na ordem do dia muito mais cedo do que o previsto. Esta surpresa tem a ver com o facto de, actualmente, ninguém em Bruxelas ter a menor ideia do tipo de flexibilização do programa que os dois ministros poderão ter em mente, sobretudo quando, de acordo com os peritos, os seus objectivos estão a ser cumpridos como deve ser.

Mais: segundo várias fontes europeias com conhecimento do programa contactadas pelo PÚBLICO, este não é sequer o momento adequado para discutir uma eventual flexibilização. Paradoxalmente, esta é também a ideia que o Governo tem procurado veicular por todos os meios em reacção à especulação crescente dos investidores e da imprensa internacional de que Portugal deverá precisar brevemente de um reforço do programa de empréstimos de 78 mil milhões da zona euro e do FMI.

"Se no final precisarmos de um ajustamento do programa, depois de serem tomadas decisões substanciais sobre a Grécia - isso é essencial - mas se nessa altura houver necessidade de um ajustamento do programa português, estaremos disponíveis para o fazer", afirmou Schäuble a Gaspar, numa conversa privada, em inglês. Ao que o ministro português respondeu: "Apreciamos muito".

A troca de palavras entre os dois ministros bastou para acalmar as taxas de juro da dívida nacional nos mercados, mas levou Vítor Gaspar a quebrar a regra do silêncio depois das reuniões do Eurogrupo que assumiu desde que é ministro, para esclarecer os jornalistas sobre o sentido de uma "conversa privada".

Segundo afirmou, as declarações de Schäuble "não têm qualquer elemento de novidade ou de notícia" porque se limitam a reiterar o compromisso já assumido pelos líderes dos países da zona euro quando afirmaram, em várias ocasiões, que Portugal e a Irlanda poderão continuar a contar com o apoio europeu se cumprirem os respectivos programas de ajustamento mas não conseguirem regressar ao mercado para assegurar o seu financiamento por razões externas à sua vontade. O ministro interpreta este compromisso dos líderes europeus como "um mecanismo de seguro para circunstâncias que são indeterminadas e indetermináveis" e não significa, por isso, que uma flexibilização do programa "esteja na mesa neste momento ou seja procurada por nossa iniciativa".

A dificuldade desta interpretação está na ligação temporal que é feita por Schäuble entre um ajustamento do programa e as "decisões substanciais" que a zona euro tem de tomar sobre a Grécia. A afirmação refere-se quase certamente ao segundo empréstimo a Atenas que os ministros das Finanças do euro deverão decidir na próxima quarta-feira. Mesmo admitindo um horizonte um pouco mais largo até que a situação na Grécia fique estabilizada - nomeadamente na perspectiva das eleições legislativas previstas para Abril -, a afirmação de Schäuble indica um calendário para a revisão do programa português muito anterior a Setembro de 2013.

Flexibilizar, como?

O actual programa de ajuda prevê um regresso de Portugal aos mercados para financiamento de médio e longo prazo já no segundo semestre do próximo ano, uma perspectiva que a imprensa internacional, os analistas e os próprios investidores têm classificado como improvável. E há várias razões para isso. A situação de instabilidade na Grécia e o receio de que os líderes europeus não consigam travar o contágio ao resto do euro têm mantido os juros da dívida nacional em níveis elevados.

A agravar o cenário, há uma forte probabilidade de a recessão vir a revelar-se mais profunda do que o previsto, devido à crise na Europa, o que obrigaria o Governo a tomar medidas adicionais para cumprir com as metas orçamentais acordadas. Um cenário que a troika parece estar aberta a evitar, com receio de gerar um círculo vicioso semelhante ao que deixou a Grécia à beira do abismo.

Para Carsten Brzeski, economista do ING, há várias opções em cima da mesa para aliviar as condições do ajustamento exigido a Portugal: "Dar mais tempo ao país (tendo em conta a deterioração da situação económica), baixar as taxas de juro dos empréstimos (o que teria de se aplicar também à Grécia) e dar mais dinheiro (no âmbito de um segundo resgate)".

Recentemente, o responsável do FMI pela missão da troika em Portugal, Poul Thomsen, admitiu que, se a crise na Europa atrapalhar Portugal, não se pode "cegamente dizer que vamos precisar de um maior ajustamento orçamental para manter as metas originais", que prevêem um défice de 4,5% este ano e de 3% em 2013. Para Carsten Brzeski, dar mais tempo a Portugal para cumprir estes limites é a opção mais provável. Contudo, o economista considera que um segundo pacote de ajuda poderá vir a ser negociado depois do Verão, se a troika concluir que Portugal não tem condições de voltar aos mercados.

O Goldman Sachs, por exemplo, estima que Portugal precise de mais 30 a 50 mil milhões de euros em empréstimos, mas afasta a necessidade de o país recorrer a uma reestruturação da dívida - algo que, na Grécia, foi pré-condição a um novo resgate, mas que os líderes europeus não querem repetir, sob o princípio de que o caso grego é único e excepcional.

Nos últimos dias, outro elemento surgiu: a possibilidade de o Banco Central Europeu (BCE) abdicar dos lucros que faria com os títulos de dívida grega que comprou no mercado secundário. Embora tenha recusado a ideia de perdoar a dívida helénica, já que isso violaria os tratados europeus, o BCE indicou um caminho: distribuir aos Estados-membros, via bancos centrais nacionais, os lucros decorrentes da dívida grega, deixando àqueles a tarefa de devolver esse dinheiro à Grécia. Se esta operação for feita, abrir-se-ia um precedente, do qual Portugal poderia beneficiar.

Sugerir correcção