A vida e morte de Lucian Freud em 100 pinturas, desenhos e esboços
São mais de 100 obras feitas ao longo de 70 anos. Lucian Freud trabalhou nesta exposição até morrer, há sete meses. É a primeira exclusivamente dedicada ao retrato. Até 27 de Maio
Posar para um retrato de Lucian Freud era um assunto sério. As maratonas no pequeno e caótico atelier que foi tantas vezes, e tão bem, fotografado por David Dawson ou Julia Auerbach, podiam prolongar-se por dias a fio, sempre com o mesmo grau de exigência para que, exaustos ou simplesmente habituados à nudez na presença do pintor e ao seu olhar inquisitivo, os retratados deixassem cair todas as defesas.
Era nessa tensão que levava o modelo a entregar-se por completo à sua vulnerabilidade que Lucian Freud gostava de trabalhar. Disse-o muitas vezes, aliás. Só pintava pessoas do seu círculo e cuja história lhe interessasse por um motivo qualquer. "A matéria do sujeito é autobiográfica. Na realidade, tem tudo a ver com esperança e memória e sensualidade e entrega", disse o pintor que nasceu na Alemanha e morreu em Londres em Julho do ano passado, aos 88 anos, depois de ter passado os últimos cinco anos a organizar a exposição que abre hoje na National Portrait Gallery (NPG).
Lucian Freud Portraits é a primeira dedicada exclusivamente ao retrato e está a ser apresentada como a exposição mais ambiciosa da sua obra dos últimos dez anos. Um presente em período de antecipação dos Jogos Olímpicos.
Até 27 de Maio, o público do museu londrino vai poder ver mais de 100 pinturas, desenhos e esquissos de Lucian Freud, de colecções públicas e privadas espalhadas pelo mundo. Na apresentação da exposição, em Setembro, a comissária, Sarah Howgate, e o director da NPG, Sandy Nairne, explicaram aos jornalistas que o objectivo é mostrar a intensidade do pintor e as diversas fases de evolução do seu trabalho através de obras pouco conhecidas e de outras que se tornaram icónicas, como Girl with a White Dog (1950-1951), Large Interior, W11 (after Watteau) (1981-1983) e Benefits Supervisor Sleeping (1995).
"Os retratos de Freud são a materialização, em pintura, de uma relação entre o artista e o modelo que se desenvolveu ao longo do tempo atrás de uma porta fechada", disse Howgate.
Retrato anti-romântico
À excepção de algumas figuras públicas - artistas como Francis Bacon, David Hockney e Frank Auerbach, performers como Leigh Bowery e a sua amiga Sue Tilley, e a própria rainha Isabel II - Lucian Freud escolhia para modelos pessoas que preferiam o anonimato ou membros da família (são famosos os retratos da mãe, Lucie). Na maioria, eram os seus amigos, as suas mulheres ou amantes. "Trabalho a partir das pessoas que me interessam e de quem gosto em quartos onde vivo e que conheço", escreveu.A mãe, Hockney e Bacon estão representados na exposição, entre tantos outros. Para Girl with a White Dog quem posou foi a sua primeira mulher, Kitty Garman, em Girl in Bed (1952) encontramos a segunda, Caroline Blackwood.
São obras como estas que levam o crítico William Grimes, que assinou o obituário de Lucian Freud no New York Times, a dizer que o artista, que se naturalizou britânico em 1939, pôs toda a tradição da pintura europeia ao serviço de um "retrato anti-romântico", criando um "estilo confrontacional que arranca ao modelo a sua fachada social".
Desse estilo faz parte, garante Adrian Searle, do Guardian, a exploração da tensão psicológica que se instalada entre o artista e o modelo. "A sua arte é maravilhosamente perversa, e a perversidade foi o método através do qual ele se reinventou constantemente", escreveu no artigo em que dá cinco estrelas à exposição da NPG. "Havia tanta violência como ternura no seu olhar."
A inclusão de Portrait of the Hound 2011 na exposição faz com que nela estejam representados 70 anos da carreira de Lucian Freud que, lembra Searle em jeito de brincadeira, ancorou o seu trabalho no facto de estar fechado num quarto com outra pessoa, tal como, antes dele, tinha feito o avô, o psicanalista Sigmund Freud. Foi nesta pintura inacabada que mostra o seu assistente e amigo, David Dawson, com um dos seus cães, Eli, que o artista trabalhou quase até ao fim.
Homem apaixonado e tímido, segundo o amigo William Feaver - que foi crítico do Observer e sobre ele escreveu vários livros -, Lucian Freud não aceitava o conceito de férias. Gostava de se vestir bem, de discutir política e de viajar para ver exposições. Os seus retratos, dizia, eram todos autobiográficos porque eram sempre sobre ele e o que o rodeava: "Quero que a tinta funcione como a carne", disse o pintor. A exposição da National Portrait Gallery propõe testar, até ao extremo, como Lucian Freud teria gostado, essa intenção.