Os jovens são por condição solidários? Em Portugal pelos vistos já não é assim

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Foto: Alessia Pierdomenico/Reuters

É mais uma das ideias antes dadas como certas que agora não sobrevive à crise. Os jovens são por condição solidários? Em Portugal pelos vistos já não é assim. Um estudo do Instituto de Ciências Sociais (ICS) sobre as atitudes dos portugueses perante a desigualdade e os chamados direitos sociais, desenvolvido com base num inquérito realizado em 2011, a que o PÚBLICO teve acesso, dá conta que os jovens são o grupo que menos empatia mostra para com as dificuldades sentidas pelos mais pobres neste cenário de crise.

No inquérito, realizado no âmbito do barómetro sobre a qualidade da democracia, pede-se aos entrevistados que identifiquem os grupos sociais que estarão a atravessar maiores dificuldades nesta crise. Para o efeito são propostas três afirmações sobre as pessoas mais ricas, as da classe média e as mais pobres e é pedido que as classifiquem numa escala de 1 (muito de acordo) a 5 (muito em desacordo).

Confrontados com a afirmação de que "as pessoas mais pobres estão a viver tempos muito difíceis, porque não têm acesso às recompensas dos ricos e são pouco apoiadas socialmente", 82% dos entrevistados mostraram a sua concordância. Mas, segundo os autores do estudo, os sociólogos Filipe Carreira da Silva e Mónica Vieira, os resultados mostram também que, numa amostra de 1027 inquiridos, seleccionada para ser representativa da população nacional, são os mais jovens que manifestam o maior desacordo em relação àquela afirmação.

Entre empregos precários e o desemprego crescente, "os jovens têm pela frente uma vida de enormes incertezas. Estão muito preocupados com eles próprios e daí a menor solidariedade com os pobres", justifica Filipe Carreira da Silva. Por outro lado, terão receio de que os apoios hoje garantidos aos mais pobres contribuam para o fim, a prazo, da existência das prestações sociais, os que os penalizará ainda mais.

Norte é diferente

Depois dos jovens, os que mostram menos solidariedade com as dificuldades sentidas pelos mais pobres são os inquiridos de menor estatuto social. Os autores do estudo lembram uma tendência que tem sido constatada em muitos inquéritos nacionais e internacionais: a maioria das pessoas tende a identificar-se como sendo da classe média, mesmo que tal não corresponda à realidade. Este autoposicionamento subjectivo justificará em parte, acrescentam, o facto de os inquiridos com menor estatuto social terem dado pouco peso às dificuldades dos mais pobres, "que serão muito possivelmente análogas às suas". "Fazê-lo seria em muitos casos equivalente a pôr a descoberto uma pobreza escondia", frisam.

Os resultados globais do inquérito mostram que a maioria dos portugueses discorda que os ricos estejam também a atravessar tempos difíceis. Já pelo contrário 70% considera que a classe média está a sentir particulares dificuldades "porque não tem acesso às recompensas dos ricos nem às prestações sociais", sendo, a seguir aos pobres, o grupo mais afectado pela crise. Esta percepção nacional não é seguida pelos inquiridos residentes no Norte litoral do país. Uma análise dos resultados por região revela que esta "é a única do país em que as pessoas não pensam ser os pobres quem está a passar por maiores dificuldades neste contexto de crise", elegendo em seu lugar a classe média. Os autores lembram, a propósito, que o Norte foi a região do país que mais empobreceu nos últimos anos.

A dissonância revelada nesta região coloca-a, no entanto, a par do padrão verificado na Grã-Bretanha. Um inquérito realizado em 2009, que serve de comparação aos autores do estudo português, mostra que 79% dos britânicos considera que é a classe média a principal vítima da crise actual. Já a percentagem dos que pensam que esta posição é ocupada pelos mais pobres desce para 59%, um valor muito inferior ao registado em Portugal. "Ao nível dos valores é uma sociedade muito diferente da portuguesa e as opiniões dos britânicos são o reflexo também do país que emergiu das reformas ultraliberais de Margaret Thatcher. Existe a convicção de que a economia de mercado deve gerar desigualdades, premiando o mérito e a procura de oportunidades", afirma Mónica Vieira.

O inquérito realizado em 2009 reflecte essa postura: muitos dos entrevistados não só responsabilizam os mais pobres pela situação, como se dizem convictos de que estes fazem um uso indevido das prestações sociais que recebem. Mas as diferenças no modo como os portugueses e os britânicos encaram os mais pobres têm também como ponto de partida uma percepção quase radicalmente oposta do país em que vivem.

Portugueses sem esperança

Ambos países têm em comum o facto de estarem no pódio dos mais desiguais no que respeita à diferença de rendimentos auferidos pelos mais ricos e pelos mais pobres. Mas enquanto na Grã-Bretanha, mesmo já em plena crise, só 26% dizem não acreditar "que existam oportunidades suficientes para que pessoas de todas as origens sociais possam subir na vida", em Portugal esta percentagem sobe para 58%.

Para Mónica Vieira, o facto de mais de metade dos portugueses não acreditar na mobilidade social é um factor de "desesperança" e reflecte a experiência de vida num país em que as oportunidades de empreso continuam a surgir sobretudo, "através de redes de informação privilegiadas". "Portugal é uma sociedade ainda muito hierarquizada, diferenciada e clientelar", constata.

A investigadora lembra que, sobretudo na década de 1990, houve um período de expectativa de ascensão social, que foi também potenciado pelo acesso de muito mais estudantes ao ensino superior. Mas agora nem os licenciados têm emprego, "os pais começam a sentir vergonha do legado que deixam aos filhos" e o que sobressai do país é a sua "desigualdade profunda e estrutural". "Há um sentimento de incredulidade na sociedade portuguesa. As pessoas ainda se estão a interrogar como é que isto nos aconteceu", acrescenta Mónica Vieira.

Se não vivida do mesmo modo, esta é uma fase que de todo já pertence ao passado na Grã-Bretanha, o que também poderá ajudar a compreender o diferente padrão das respostas de portugueses e britânico, adianta Filipe Carreira da Silva. "Quando Margaret Thatcher começou a desmantelar o serviço nacional de saúde, nos anos 80, estávamos nós a construir o nosso. Em Portugal é a primeira vez que se pensa em reformar o Estado social, o que leva a que crise seja sentida de modo diferente", afirma.

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