A sua obra arquitectónica é menos conhecida que a sua pintura.É o autor das remodelações dos museus de Paços de Ferreira (1963), de Paredes, da Figueira da Foz e do museu militar do Porto. Foi nesta cidade que nasceu, a 16 de Setembro de 1923, e aí estudou Arquitectura na Escola de Belas-Artes.
Envolveu-se também em trabalhos de antropologia e etnografia, chegando a dirigir o Museu de Etnografia do Porto. Em 2005 recebeu o doutoramento honoris causa da Faculdade de Belas Artes do Porto.
O funeral de Fernando Lanhas realiza-se na segunda-feira, às 15h, com saída da Igreja da Nossa Senhora da Boavista (ao Foco) para o crematório do cemitério de Sendim, em Matosinhos.
João Fernandes, director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, diz que a morte de Fernando Lanhas representa "o desaparecimento de um dos grandes artistas em Portugal no século XX, e um dos nomes mais universais da arte portuguesa".
"Lanhas teve a capacidade de ser radicalmente contemporâneo no seu tempo, ao ter praticado a abstracção geométrica pela primeira vez no nosso país, sem saber ainda o que então se fazia lá fora”. E foi também alguém que “tornou contemporâneo o homem renascentista na reunião dos seus múltiplos saberes: a pesquisa arqueológica e a atenção ao passado, as interrogações da astronomia e a perspectivação do futuro”, nota o director artístico do MACS.
João Fernandes recorda a pesquisa de fósseis que Fernando Lanhas realizou na serra de Valongo, perto do Porto. E também a colecções que reuniu com os seixos que recolhia nas praias e que depois pintava, “antecipando formas estéticas da land art e da earth art”, que depois seriam consagradas no mundo anglo-saxónico e teriam, a partir daqui, grande divulgação mundial.
João Fernandes considera que está ainda por estudar e avaliar convenientemente também a obra que Lanhas deixou na poesia, além dos” textos fabulosos com que registava os seus sonhos”.
O Museu de Serralves dedicou em 2001 uma grande exposição retrospectiva à obra de Fernando Lanhas – a pintura, a sua colecção de fósseis e de pedras pintadas, que foi simultaneamente completada com uma exposição dos seus desenhos no Lugar do Desenho – Fundação Júlio Resende, em Valbom (Gondomar). Nos anos seguintes, Serralves foi depois expondo com regularidade obras de Fernando Lanhas – uma das exposições das suas “pinturas recentes” foi realizada no Silo Cultural no Norteshopping, em Matosinhos.
“Fernando Lanhas era um vizinho do Museu de Serralves, não só do ponto de vista literal, porque ele vivia perto, mas também na sua proximidade afectiva: ele visitava Serralves frequentemente, trazia-me os seus desenhos, o registo dos seus sonhos e também as maquetas dos seus livros, “um invulgar trabalho gráfico” que Serralves foi publicando também com regularidade.
A obra de Lanhas está representada na Colecção de Serralves, e noutras que estão depositadas na fundação, entre as quais a da sua própria família.
O Público citava-o em 2007: “Aos 20 anos, estudava eu Arquitectura, fiz em casa as minhas primeiras experiências de arte abstracta. Não era viajado nem tinha informação. Aliás, estávamos em tempo de guerra e não tínhamos livros ou revistas de informação. Fiz aquilo porque me apeteceu fazer. Quis fazer o que nunca tinha visto”. Júlio Pomar, seu colega, juntamente com Nadir Afonso, na Escola de Belas Artes do Porto onde Fernando Lanhas estudou Arquitectura recorda, desses tempos, “uma permuta quase diária de experiências, num propósito de não alinhamento com o meio [artístico]” que aproximou os dois artistas, "apesar de cada um ter seguido o seu caminho".
Júlio Pomar vê em Fernando Lanhas alguém que "ocupa um lugar fundamental [no cenário artístico português do século XX]. É dos poucos artistas verdadeiramente originais", acentua. "Extremamente discreto no seu trabalho" e sem "nunca se ter batido pelo reconhecimento público", Fernando Lanhas destacava-se pela "pelo muito que sempre investiu na mínima coisa que fazia", pela "intransigência" e "pela exigência". Esse é, para Júlio Pomar, um ponto fulcral na sua obra: "A exigência na procura do essencial".
O historiador de arte, crítico e comissário João Pinharanda conheceu de perto Fernando Lanhas quando, em meados da década de 1980, preparava a sua tese de mestrado sobre o abstraccionismo geométrico em Portugal. "Ele ainda não teria 70 anos e guiava loucamente pelas estradas do Douro Litoral", recorda Pinharanda num depoimento escrito enviado ao PÙBLICO. "Comemos em pequenas tascas, bebemos vinho escuro e ácido, gritámos muito, porque ele tinha, já então, grande dificuldade em ouvir".
Com Fernando Lanhas, Pinharanda espera ter aprendido a perceber que "entre o cotão que tirava dos bolsos como exemplo de coisas humildes e os seixos rolados que escolhia nas praias e nos leitos secos dos ribeiros, austeramente coloria e guardava nas gavetas das cómodas lá de casa, entre os estudos das estrelas cadentes e a idade que atribuia ao granito de que se fazem as casas, entre o universo em expansão e as suas pinturas austeras, onde chegou a misturar pó de pedra e onde a geometria é antes uma metafísica, há apenas uma diferença de escala." Escreve o comissário que "Lanhas sempre entendeu a sua obra material (de artista, arquitecto, poeta, astrónomo, arqueólogo, paleontólogo) como uma fracção nessa imensidão a que agora se reúne."
Notícia actualizada às 16h30:Acrescentadas as declarações do director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves