Que mal fizeram os jogadores estrangeiros?

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A propósito do relatório do Grupo de Trabalho sobre a protecção às selecções nacionais e aos jovens praticantes desportivos, solicitado pelo actual Governo, reacendeu-se a velha questão da presença de jogadores estrangeiros no futebol português.

Ao longo do documento é estabelecida uma relação de causa e efeito, sugerindo-se que a inclusão de um elevado número de jogadores estrangeiros no plantel das equipas, em particular no futebol, dificulta o acesso dos jovens jogadores nacionais ao trabalho e prejudica a competitividade das selecções nacionais. Já em Setembro, o Presidente da República, na cerimónia de condecoração da selecção de sub-20, que se sagrara vice-campeã no Mundial da Colômbia, afirmava que "algo está errado no futebol português, quando mais de 50 por cento dos jogadores que actuam em Portugal são estrangeiros".

Mas será que o que está errado no futebol português é a presença de jogadores estrangeiros? Se observarmos atentamente o desempenho competitivo do futebol nacional desde 1995, ano da resolução Bosman, do início da liberalização do mercado de transferências e do aumento crescente de jogadores estrangeiros em Portugal, verificamos que os resultados foram bastante positivos. A selecção nacional, de facto, com a excepção do mundial de 1998, esteve presente em todas as fases finais de campeonatos mundiais e europeus, com um desempenho que a colocou de forma sistemática no top 10 do ranking mundial. Relativamente ao desempenho dos clubes, verifica-se a conquista de três troféus europeus, a presença assídua de equipas portuguesas em fases avançadas de competições europeias, o que contribuiu para que Portugal ocupe o 6.º lugar do ranking da UEFA. No final da época passada, dois clubes portugueses disputaram entre si a final da Liga Europa. Nesta época, as equipas que participaram nas competições europeias trouxeram para Portugal 27 milhões de euros em resultado do seu desempenho desportivo. Se as equipas portuguesas estão cheias de jogadores estrangeiros e o futebol nacional consegue obter estes resultados, porque se referem aos estrangeiros em tom acusatório?

Naturalmente que quanto maior o número de estrangeiros a jogar em Portugal, menos espaço laboral há para os futebolistas portugueses. Mas também podemos questionar como seria, afinal, o futebol português sem esses futebolistas estrangeiros. Sabemos que os clubes nacionais não têm capacidade para segurar os bons jogadores portugueses que emigram para Espanha, Inglaterra, Itália, França, Alemanha ou Turquia. Consequentemente, os clubes nacionais que queiram ser competitivos e ter bons jogadores, não os encontrando em Portugal, vão buscá-los ao estrangeiro. Relativamente aos jogadores medianos, sem possibilidade de ascender aos melhores clubes, procuram preservar a sua carreira financeiramente indo jogar para campeonatos menos competitivos como, por exemplo, o cipriota, onde auferem salários que nem os clubes medianos portugueses lhes podem pagar. Os cerca de 300 futebolistas portugueses, referenciados pelo Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, que jogam no estrangeiro são reveladores dessa realidade.

Adeptos, treinadores e clubes querem vitórias, os patrocinadores e investidores pretendem rentabilizar investimentos, pelo que se secundariza a questão da nacionalidade dos atletas. Se os jogadores estrangeiros, numa relação de preço/qualidade, interessam mais aos clubes nacionais, então o problema não está nos estrangeiros, mas sim nas razões que tornam os jogadores portugueses desinteressantes. A sugestão dos autores do referido relatório, de implementação de medidas tendentes a limitar o número de jogadores estrangeiros, nomeadamente impondo critérios de qualidade, parece desconhecer a realidade financeira do futebol nacional, a existência de um mercado global de transferências de futebolistas, bem como o teor da legislação europeia que considera abusivo o estabelecimento de quotas em função da nacionalidade.

O relatório invoca ainda a noção de que a competitividade das selecções portuguesas é prejudicada, tendo que se socorrer dos novos "nacionais" para suprir as carências dos velhos "nacionais". No futebol, tal como em qualquer dimensão da vida social, um cidadão, mesmo quando a sua cidadania é formalmente recente, tem o direito de usufruir de tudo o que o seu estatuto lhe permite, inclusivamente a oportunidade de ser seleccionado para representar a sua nova nação. Considerar negativa esta situação é, no fundo, ignorar a complexidade das sociedades contemporâneas e a sua diversidade multiétnica. Ora, o futebol, enquanto expressão da sociedade, deve justamente reflectir a sua diversidade. O que deve ser questionado não é, pois, o acesso de jogadores de origem estrangeira com nacionalidade portuguesa às selecções nacionais, mas a mercadorização da cidadania para servir os interesses momentâneos do futebol.

A protecção dos jogadores portugueses e das selecções nacionais não tem de ser feita a partir da ostracização dos jogadores estrangeiros. Afinal que mal fizeram os jogadores estrangeiros ao futebol português?

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