Portugal odeia comédia. Só assim se explicam umas quantas coisas estapafúrdias que não aconteceriam em lado nenhum, tais como traduções deploráveis, a carreira de Nilton, séries maltratadas na televisão, estreias em cinema que chegam cá muito depois, enfim. O que é pena, já que a comédia não é uma arte menor. É algo importantíssimo e fulcral.
Não falo das terríveis e confrangedoras reportagens que volta e meia assolam os telejornais, que mostram meia dúzia de pessoas, que nunca tiveram piada na vida, a ganhar a vida a fazer “humor” com Herman José ou Ricardo Araújo Pereira a serem entrevistados sobre os portugueses e o riso. Muito menos de ser preciso rir neste momento tão difícil de crise (podemos, por favor, parar de dizer isso?).
Falo, sim, do facto de o "comic relief" ser uma parte essencial da vida. É preciso termos noção do ridículo — do nosso próprio e daquele que nos rodeia — para podermos ultrapassá-lo e não levarmos nada a sério. Nada a não ser o próprio humor. É esse um dos nossos grandes problemas — não existe um pensamento crítico enraizado sobre o humor.
César Mourão tem, não um, mas dois programas de televisão, apesar de não ter talento e confundir fazer sotaques com ser hilariante. Uma sociedade que se sente confortável com isto e não oferece alternativas é uma sociedade que odeia rir. Temos uma classe deplorável de humoristas, gente que não tem nem piada natural nem referências cómicas suficientes para expandir os seus parcos horizontes.
Ter visto episódios de "Monty Python", "Seinfeld" e "O Escritório" (as únicas três referências que os mais medíocres humoristas portugueses têm) não faz com que se tenha sentido de humor. Por outro lado, achar, como quem escreve na imprensa, que não se fazem boas comédias desde que Billy Wilder se reformou (e ignorar as péssimas piadas e trocadilhos fáceis que existem na sublime filmografia do realizador) não dá competência a alguém para escrever sobre a última comédia americana que está no cinema (isso quando esta não é ignorada por completo).
Há uma diferença entre a última paródia tipo "Um Susto de Filme" e o último filme protagonizado por Paul Rudd. Ignorar isso, seja na crítica ou na promoção, é cegueira. Que não haja dúvidas: é tão difícil fazer algo de bom no mundo que a grande generalidade das comédias que saem cá para fora é má. Tal como acontece com todos os filmes e todas as séries. E, claro, nem toda a gente que um dia teve piada acerta. Ricky Gervais, por exemplo, na sua deplorável apresentação dos Globos de Ouro, fez piadas básicas e batidíssimas como Elton John ser uma rainha e Madonna não ser virgem. Devíamos exigir mais dele. E de nós.
Artigo corrigido às 11h29 de 23 de Janeiro.