Só 56% dos portugueses acreditam que o melhor sistema é a democracia
O primeiro grande estudo sobre a percepção da democracia em Portugal aponta para a existência de uma "desconsolidação" do sistema democrático
Apenas 56% dos portugueses consideram que "a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo", de acordo com o estudo "A Qualidade da Democracia em Portugal: a Perspectiva dos Cidadãos", da autoria de António Costa Pinto, Pedro Magalhães, Luís de Sousa e Ekaterina Gorbunova.
Usando um universo de 1207 inquiridos e tendo os trabalhos de campo decorrido em Julho de 2011, este primeiro estudo elaborado para o Barómetro da Qualidade da Democracia - que o PÚBLICO divulga em primeira mão e que é hoje à tarde será divulgado numa colóquio no Instituto de Ciências Sociais, em Lisboa - procura medir as avaliações subjectivas feitas pelos portugueses sobre a qualidade da democracia.Este indicador é visto como uma demonstração de que se pode aplicar à democracia portuguesa, neste momento, "um conceito já usado noutros países europeus, que é o de desconsolidação da democracia, ou seja, a democracia vai reduzir qualidade de desempenho", explica ao PÚBLICO o sociólogo Luís de Sousa, um dos autores do estudo, que exemplifica este conceito, citando o caso da Itália, que "recorreu agora a um Governo liderado por um tecnocrata".Luís de Sousa advoga que este resultado "é um sinal de insatisfação e a insatisfação em democracia até é útil", mas, acrescenta, que "o problema é saber até quando é útil e a partir de quando causa desgaste" e aponta sinais de desgaste como "as recentes manifestações de militares e os atropelos aos direitos constitucionais".
Apelo autoritário
Um dos outros autores do estudo, António Costa Pinto, sustenta que "há imensas democracias consolidadas que convivem com descontentamento, o problema é saber gerir isso". Mas este historiador e sociólogo defende que este indicador "mostra que se parte da classe política avançasse para um modelo" como o que está agora em vigor "na Hungria, não haveria resistências" [o Governo húngaro está a fazer alterações constitucionais que são contestadas pela UE, ver pág. 16] . E conclui que este estudo mostra que "há regressão no apoio aos sistemas democráticos, quer pela indiferença" perante a importância da democracia, "quer pelo aumento dos valores autoritários". Isto porque um outro indicador deste estudo aponta para que 15% da população considera que, "nalgumas circunstâncias, um governo autoritário é preferível a um sistema democrático".
António Costa Pinto adverte para que "mesmo na fase inicial da democracia a adesão a esta posição era entre 12% e 17%". Contudo, "desceu na década de 80 e quando se comemoraram os 30 anos do 25 de Abril, era de 7%". Agora, "o que se passa é que voltou a aumentar". Mas, sublinha António Costa Pinto, "o número de portugueses que expressa valores autoritários tem que ser correlacionado com a falta de confiança e de credibilidade do poder democrático". E Luís de Sousa acrescenta que este "crescendo de valores autoritários verifica-se desde 1999, já que então o estudo do World Values Survey apontava 9%".Porém, António Costa Pinto frisa que "há um espaço partidário à direita que em Portugal ainda não foi aproveitado", um facto que atribui "à noção de que os sectores mais manipuláveis pelos populismos se abstêm, por isso há dificuldade de os mobilizar". Luís de Sousa aduz que "esse espaço não é de facto aproveitado porque o nosso sistema oferece uma válvula de escape a esse populismo e autoritarismo que é o poder local, que é clientelar e não é fiscalizado". O sociólogo afirma ainda que a adesão ao autoritarismo neste nível "não coloca em xeque a viabilidade da democracia, mas a sua qualidade".
Redistribuição...
O aumento de adesão ao autoritarismo está relacionado em Portugal, segundo António Costa Pinto, "com a ideia de que a democracia é a distribuição de bens, a redistribuição da riqueza". E aponta para o nível de respostas obtidas neste inquérito às questões sobre qualidade da democracia. A começar pelos 65% de inquiridos que respondem estar "pouco/nada satisfeitos" com a democracia e os 48% que afirmam que hoje a democracia está "pior/muito pior do que há 5 anos".
Esta questão é decomposta em outros indicadores com resultados elucidativos. No que se refere à "função/dimensão" da democracia é apontado como "muito importante" ou "absolutamente importante" em primeiro lugar e para 89% dos inquiridos" a ideia de "haver um nível de bem-estar mínimo (nível de vida digno) para todos os cidadãos". Em segundo lugar, com 87% dos inquiridos, surgem duas ideias: "Que haja dirigentes políticos competentes para tomar as melhores decisões para o país" e "que haja um sistema judicial que trate todos da mesma forma". Em terceiro, com uma adesão de 86% dos inquiridos, surge a ideia de "que se possa castigar os governos que governam mal e que se possa recompensar os que governam bem". E só em quarto lugar, empatado com a resposta anterior por 86% de inquiridos, aparece a ideia de "que haja eleições livres e justas".Já quando questionados sobre os "principais problemas da sociedade portuguesa", num total de 100%, 37% dos inquiridos apontam "o desemprego", 16% falam da "pobreza e exclusão social". No que toca a direitos sociais, 33% dos inquiridos consideram que "o direito à saúde "está "pouco/nada garantido", enquanto 19% consideram que está "totalmente/muito garantido". Para António Costa Pinto, "existe uma eminente contradição entre o que a democracia aponta como questão fundamental, que são as eleições livres, e o que as pessoas pensam que é que a democracia, ou seja, que ela assenta na redistribuição da riqueza, no emprego e no combate à exclusão social". E acrescenta que "as pessoas pedem direitos sociais à democracia". Também Luís de Sousa vai no mesmo sentido de salientar o grau de esclarecimento e de informação dos inquiridos e conclui que "as pessoas pedem uma democracia mais substantiva, dão por adquirido que a democracia formal já existe."