UGT assina o acordo mas diz que com ele "a paz social não está garantida"
Primeiro-ministro vai hoje à concertação social assinar o acordo com os representantes dos patrões e com a UGT. Contra, a CGTP convocou desfile até São Bento
O acordo alcançado na madrugada de terça-feira entre Governo, patrões e UGT não parece suficiente para garantir a paz social e, segundo os sindicatos, contém medidas que justificam a oposição dos trabalhadores.
A CGTP está fora e convocou um desfile até São Bento contra "a desregulamentação laboral inscrita no acordo da Concertação Social". Vários sindicatos filiados na UGT manifestaram-se contra o acordo nas estruturas da central. E o próprio secretário-geral da UGT, João Proença, que deu luz verde ao documento, diz que se trata de um acordo de "crise e sacrifícios" e que apoiará os sindicatos que adoptarem medidas de luta contra algumas das medidas integradas no "Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego". Mesmo quando à última da hora caíram disposições que prejudicariam ainda mais o lado sindical.
Estas declarações proferidas durante a conferência de imprensa em que João Proença justificou o sim ao acordo, chocam com a avaliação que o ministro da economia, Álvaro Santos Pereira, fez do documento.
No final de uma maratona negocial de 17 horas, Álvaro Santos Pereira concluiu que se chegou a um acordo "que reforça a competitividade da economia nacional, em que se lançam as bases para o crescimento económico e em que se preservam as bases para a paz social".
"Um clima generalizado de contestação ligado ao aumento da meia hora está afastado", frisou João Proença. Mas admitiu que "a paz social não está garantida. Há múltiplas matérias em relação às quais pode haver conflitualidade. A UGT não fez qualquer acordo renunciando ao direito à greve", avisou o líder da única central sindical que amanhã vai pôr a assinatura do acordo.
O acordo tem nas primeiras 30 páginas várias medidas dirigidas aos vários sectores da economia (ver páginas seguintes). Mas é nas restantes 20 páginas que mudanças mais profundas se avizinham tanto na vida dos trabalhadores e das empresas.
Os trabalhadores terão de trabalhar mais horas por menos dinheiro, podem ser despedidos mais facilmente, verão as indemnizações por despedimento reduzidas assim como os limites máximos do subsídio de desemprego. As férias passam para 22 dias, haverá menos "três a quatro" feriados, e as faltas serão penalizadas.
Já as empresas poderão beneficiar de maior flexibilidade do tempo de trabalho e verão os seus custos com o trabalho reduzir-se, além de poderem beneficiar de apoios à contratação.
Meia hora foi decisiva
Entre o início do encontro às 10 horas de segunda-feira e o ponto final das negociações por volta das três da madrugada de terça-feira houve várias mudanças. A mais significativa e que permitiu que o acordo tivesse a assinatura da UGT foi o compromisso assumido pelo Governo em retirar do Parlamento a proposta de aumentar em meia hora o trabalho diário.Um recuo que a CGTP ontem reclamou como sendo uma "vitória da luta dos trabalhadores", e que hoje a UGT também reclamou como sua. "Derrotámos a meia hora. Conseguimos obter isso porque houve um acordo. Sem acordo não havia a retirada da meia hora", destacou João Proença.
O aumento do horário de trabalho foi proposto pelo Governo, depois de abandonar a ideia de reduzir a taxa social única, tal como previa o memorando assinado com a troika. Ontem, em declarações à Lusa, fonte do ministério da Economia garantia que a retirada da meia hora foi compensada com as alterações às férias, feriados, pontes e bancos de horas.
Porém isso não satisfaz totalmente os patrões. António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), destacou, na madrugada de terça-feira, as medidas que vão beneficiar as empresas, como a criação por acordo com os trabalhadores de uma bolsa de horas anual. Mas ontem, a CIP foi clara quando admitiu que as medidas previstas no acordo "não preenchem totalmente o vazio deixado pela retirada da meia hora", como frisou ao PÚBLICO o dirigente da CIP, Gregório Rocha Novo.
E embora a UGT considere que o acordo "é claramente defensivo face ao que era a intenção do Governo com maioria absoluta na Assembleia, as reivindicações patronais e as imposições da troika", destacou algumas cedências feitas madrugada adentro e que acabaram por tornar o documento menos "lesivo" para os trabalhadores. Na versão final do acordo caiu, por exemplo, a medida que previa que os bancos de horas negociados com os sindicatos pudessem prever um acréscimo anual de 250 horas, mantendo-se as 200 horas actuais.
Do lado das empresas conseguiu-se garantir que estas terão mais facilidade em reestruturar a sua capacidade técnica, alargando as situações em que os trabalhadores têm direito a subsídio de desemprego em caso de rescisão amigável do contrato. Na prática permite-se que isso seja possível quando o trabalhador despedido é substituído por outro trabalhador permanente. Também houve mudanças no regime de lay off com as empresas a conseguirem a garantia de que os prazos serão mais curtos na decisão de suspender os contratos em situações de crise empresarial.
Acordo "possível", na descrição dos patrões, e de "crise e sacrifícios", segundo a UGT, todos estarão esta manhã Conselho Económico e Social ao lado do primeiro-ministro para assinarem o documento e ficarem na fotografia que marcará um momento que a troika irá avaliar em Fevereiro. Se será suficiente só então se saberá.