Lojas centenárias do Porto resistem à crise
"Um cliente bem servido volta": este é o lema de lojas que souberam fidelizar clientes, explorar nichos e acompanhar os tempos
Quando a qualidade de artigos exclusivos anda de mãos dadas ao bom serviço dos empregados, ao investimento e empreendedorismo diário e à não-exploração do cliente, asseguram-se os ingredientes certos para que um negócio centenário resista à crise e mantenha lucros.
Cabeleiras postiças, botões em pompons de vison e pedras semipreciosas com valores a roçar os 45 euros cada um, ou bacalhau do Canadá com cura amarela não parecem, à primeira vista, artigos que possam manter lojas com 100 anos abertas ao público nos tempos que correm. Mas há lojas históricas no Porto que, em vez de fecharem portas, prometem mais 100 anos de negócio.
Os proprietários contam à Agência Lusa que a chave do sucesso é manter o investimento e os produtos serem os mais exclusivos. Em 1906, o cabeleireiro posticeiro Cardoso, estabelecimento que nasceu junto ao Teatro Rivoli do Porto, na Rua do Bonjardim, abastecia os teatros portugueses e era frequentado por artistas como Raul Solnado, Eunice Muñoz, Camilo de Oliveira ou Laura Alves.
Seguiu-se depois a época da "vaidade" em que as mulheres usavam amiúde as cabeleiras nos eventos sociais, quando não tinham tempo de ir ao cabeleireiro. Hoje, volvidos 107 anos, o nicho de mercado mantém-se, mas os destinatários principais já não são os artistas, mas os doentes com cancro. "Há uma média de 10 a 15 pessoas por mês que recorrem ao Cardoso Cabeleireiro e a casa vai vivendo", conta à Agência Lusa Israel de Matos, 57 anos, que começou a aprender a arte de ser posticeiro aos 11 anos.
"O estatuto da antiguidade e a qualidade dos artigos são a chave do sucesso numa arte que é como a de um relojoeiro, porque é um trabalho minucioso", assume o proprietário da loja, passando um fio de cabelo numa espécie de tear e revelando que uma cabeleira postiça com cabelo natural pode atingir os 500 euros.
Investir contra a crise
Na loja centenária Botónia, localizada na rua portuense de Cedofeita, o negócio dos botões e de peças a imitar jóias verdadeiras mantém a clientela da alta sociedade e o volume de negócios "é grande e não dá prejuízo". "Como é que eu faço para lidar com a crise? Não paro, quero ter sempre tudo diferente e bom. Invisto, não tenho medo. Vou ao dinheiro que tinha guardado e compro novas colecções", conta Guilhermina Azeredo Lobo, 64 anos, gerente da loja dos seus avós maternos.A clientela da Botónia é da alta sociedade. "Têm jóias verdadeiras guardadas em cofres por causa dos assaltos e preferem andar com a minha bijutaria, que passa logo por ser uma jóia", revela a lojista, recordando que a fidelização das clientes passa de mãe para filha e netas.
Na Botónia, tanto se podem encontrar os mais delicados pompons de vison para aplicar em casacos e camisolas, como botões com pedras semipreciosas Swarovski para vestidos, fatos de dança de salão ou patinagem artística, como se podem comprar alguns metros de aplicações para alargar saias ou "mudar o visual" de um casaco antigo.
Na montra há exclusivos de botões em pele, seda, aplicações a metro, bijutaria com banho de ouro, pedras e cristais Swarovski, enumera Guilhermina Azeredo Nunes, referindo que os fornecedores da Holanda, Itália, Alemanha, Espanha e República Checa já lhe trouxeram as colecções de 2012. "Tenho uma filha e peço muito a Deus que ela queira continuar o negócio de família. Uma das minhas alegrias era que ela nunca perdesse a casa dos meus avós maternos, que provavelmente há 100 anos deve-lhes ter custado muito manter", conta Guilhermina, com os olhos marejados de lágrimas.
Fundada em 1910, junto à Torre dos Clérigos, a mercearia Casa Oriental começou por vender chás e especiarias da China e Japão, mas como o volume de vendas começou a baixar, o proprietário José Maria Rocha, 64 anos, decidiu apostar em artigos como o bacalhau, azeite, frutas, legumes frescos e fumeiro, broa e pão. "Quando apostei em artigos novos as vendas duplicaram", recorda, confessando que a chave do sucesso - há dias em que tem 500 clientes - é a "qualidade" dos produtos. "Se um cliente vai bem servido volta", assegura, acreditando que a Casa Oriental bem se pode manter por mais uma centena de anos de forma sustentável. da Agência Lusa