Médicos cubanos querem renovar contrato
Encontraram o caos na prestação de cuidados médicos no concelho de Odemira. "Temos as coisas mais organizadas", confessa a directora do centro de saúde local
Em Agosto de 2009, chegaram a Portugal 42 médicos vindos de Cuba, contratados pelo Governo português para reforçarem centros de saúde no Alentejo, Ribatejo e Algarve. Foi a primeira vez que clínicos daquele país das Caraíbas vinham em missão médica para um país europeu. A sua tarefa terminou no final do ano com "profunda mágoa e conscientes das transformações que sofremos" ao longo dos 28 meses de permanência no Alentejo, sublinha Olga Bertrán Dub, de 46 anos, médica que presta serviço no Centro de Saúde de Vila Nova de Milfontes.
Otília Ramos, de 57 anos, uma das suas utentes, reage desagradada à partida "de uma médica especial, muito dedicada aos seus doentes". Inconformada, descreve pormenores de como a população "se afeiçoou a eles". A sua partida significa que "vamos perder boas pessoas". Sónia Isabel Custódio de 34 anos, partilha o mesmo sentimento. " Tenho muita pena que se vão embora" quando "o pessoal já estava habituado a eles", dando exemplos de como "são extraordinários" na forma como lidam com as pessoas.
Colocada perante os testemunhos solidários, Olga Dub reconhece ao PÚBLICO serem "uma grande recompensa pelo trabalho que desenvolvemos", dada a forma "carinhosa" como foram aceites pela comunidade do litoral alentejano. O relacionamento com as pessoas de Milfontes incentivou-a a escrever poesia (outra faceta dos alentejanos) onde revela de forma intimista "as transformações que sofreu" na sua passagem pela região. Uma "metamorfose", assinala. A voz começa a sair-lhe mais entaramelada. Os olhos ficam húmidos e daí a nada surgem lágrimas. "O sossego que aqui vim encontrar, a maneira fraterna e solidária com que fui recebida já me estão a deixar saudades e ainda não me fui embora".
Miguel Esteves Cardoso tinha razão, quando na edição de 11 de Janeiro de 2011, na sua coluna diária, ao comentar a reportagem que o PÚBLICO realizara com Olga Dub, lhe deixou "um conselho amigo" . "Os alentejanos não são só imutáveis como tornam alentejanas todas as pessoas e coisas em que tocam. Até cubanos."
O outro médico cubano que presta serviço em Milfontes, Willeam Diez Morera, de 42 anos, é mais reservado nas apreciações que faz sobre o seu trabalho. Mesmo assim, não deixa de realçar uma das consequências mais relevantes. "Desde que aqui chegámos, as pessoas deixaram de querer ir a Odemira". O médico recorda o início algo conturbado do seu trabalho em Portugal, que incluía dúvidas sobre os seus conhecimentos. "A qualidade científica da nossa formação não pode ser posta em causa", assegura. Daí que cheguem ao seu final de contrato sem que se tivesse registado qualquer tipo de conflito com as pessoas.
Numa população com quase seis mil habitantes, Willeam Morera admite conhecer "mais de 90 por cento da população com os seus problemas e dificuldades", mas não só. A dupla de médicos cubanos de Milfontes criou "empatia" com os colegas portugueses. "Quando se tem sensibilidade no desempenho da profissão, não importa que seja de esquerda ou de direita", observa Morera, enaltecendo o apoio que lhe foi prestado pelos sindicatos médicos, quando denunciaram a carga horária a que estavam sujeitos. Hoje, em vez das 24 horas que faziam nos bancos de urgência, esse tempo foi reduzido para metade.
No início havia dúvidas sobre os seus conhecimentos, agora representam "uma mais-valia para o concelho de Odemira", acentua Alda Lourenço, directora do Centro de Saúde de Odemira. Com a sua vinda, a cobertura médica ficou "mais equilibrada", lembrando que em Milfontes havia apenas "um médico para seis mil pessoas, o que para nós era o caos", observa.
No Verão, o atendimento dos utentes era "extremamente conflituoso". Não havia possiblidade de dar atenção aos veraneantes que se deslocavam ao centro de Saúde. Com a chegada dos médicos cubanos, "não temos a situação ideal, mas melhorou muito" o apoio prestado aos utentes. "As coisas estão mais organizadas e eu estou mais aliviada", confessa Alda Lourenço, referindo que "já não temos gente amontoada" nos corredores e há quase sempre vagas para atender casos problemáticos de última hora.
O contributo dado pelos médicos cubanos para mitigar uma das situações mais graves da localidade costeira é realçado por José Gabriel Lourenço, presidente da Junta de Freguesia de Vila Nova de Milfontes. "As pessoas aceitam-nos muito bem" e "vamos continuar a precisar deles". Contudo, o autarca não deixa de criticar as condições de trabalho que lhe foram proporcionadas. "Nem um aquecedor tinham para combater o frio no inverno". Incomodado com a situação, comprou dois e colocou-os à disposição dos clínicos.
Outro aspecto que lhe merece critica: os médicos estão alojados em Odemira num edifício da câmara municipal e todos os dias têm que se deslocar de táxi para Milfontes. Com o dinheiro gasto num mês em transportes, cerca de 1200 euros, "dava para pagar três meses de renda por um apartamento na freguesia", conclui José Gabriel. "Parto com uma enorme saudade dos amigos que aqui deixamos", sublinha Olga Dub, revelando que leva "muitas histórias" para contar aos dois filhos que deixou em Cuba.
O ministro da Saúde já garantiu que os médicos cubanos vão permanecer, para enquadrar os que virão substituí-los.