Uma década depois do boom, o que é feito dos blogues?

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Muitos blogues com enorme visibilidade deixaram de ser projectos individuais Foto: Miguel Madeira

Em 2000, a revista de tecnologia Wired publicou o seu primeiro artigo sobre blogging. Em 2004, a palavra “blog” foi considerada a palavra do ano pela editora americana Merriam Webster. Em 2008, a mesma revista Wired. afirmou em letras garrafais. "Twitter, Flickr, Facebook Make Blogs Look So 2004". A febre do blogue (para muitos foi uma espécie de febre) foi forte. Os debates inflamados e as quezílias entre bloggers ficaram célebres.

Paulo Querido, jornalista especializado na área dos novos media, editou em 2003, juntamente com Luís Ene, o livro “Blogs”. Um guia acima de tudo prático que ganhou pelo timing – a altura em que o blogue simplesmente emergia em Portugal.

No início de 2003, existiam 174 blogues portugueses, número que seis meses mais tarde saltou para 905, segundo as estatísticas da plataforma “Blogs em .pt”. Cinco anos depois, o mesmo autor anunciou no seu próprio blogue "o fim da blogosfera".

Os sintomas tornavam-se visíveis. Os bloggers pareciam cansados de uma rotina exigente de actualizações e tinham sido atingidos por um desencanto face a um “espaço novo” que, militantemente, muitos quiseram contrapor ao jornalismo. Hoje, Paulo Querido faz um balanço dos últimos três anos: “dezenas de milhar de blogues abandonados” e “o surgimento de blogues colectivos”. Ao mesmo tempo, plataformas emergentes, com destaque para o Facebook e para o Twitter, trouxeram novas propostas de socialização.

Segundo dados do estudo “State of the Blogosphere 2011”, realizado pelo motor de busca de blogues Technorati, com uma amostra de 4114 bloggers em todo o mundo, 42% dos inquiridos haviam postado no último mês, ao passo que apenas 11% dos bloggers tinham actualizado a(s) sua(s) página(s) nas últimas 24 horas.

Do Blog de Esquerda ao Arrastão

Daniel Oliveira acumula um histórico no universo dos blogues. Os pormenores da sua estreia são vagos: no início da década de 2000, Durão Barroso ainda era primeiro-ministro e rebentava a guerra do Iraque, quando foi convidado para integrar o Blog de Esquerda, que tinha o número “brutal” de 800 visitantes diários. Em 2003, foi um dos mentores do famigerado Barnabé. “O grafismo era diferente. [O Barnabé] tinha muitas imagens, sarcasmo e humor. Era o blogue mais sofisticado da altura”, sustenta. O ritmo alucinante (cinco ou seis entradas diárias) que este lhe exigia, levou Daniel a retirar-se da blogosfera. Um ano depois, em Maio de 2006, voltava com o Arrastão, um blogue que começou como individual, mas que neste momento reúne nove pessoas.

Hoje, 90% dos seus posts são artigos que assina em algumas publicações. Colunas, crónicas e comentários foram para o papel, como em muitos outros casos, devido à visibilidade dos blogues. Para trás ficaram provocações e polémicas – a picardia com João Pereira Coutinho do blogue “A Coluna Infame”, é uma das que relembra. A 5 de Junho de 2003, Daniel Oliveira postava um comentário em que atribuía a João Pereira Coutinho uma orientação política de “extrema-direita”. Pereira Coutinho ripostou no dia seguinte com "Um esclarecimento ao Sr. Daniel Oliveira".

Este último não descarta as redes sociais. Tenta, aliás, uma combinação entre o blogue Arrastão, onde se mantém orgulhosamente, e a página de Facebook que, apesar de tudo, não vê como um substituto plausível. “No Facebook há uma confusão entre público e privado que me inquieta. O blogue tem identidade, mesmo que seja colectiva”, afirma.

“New Kid On The Blog”

“New Kid On The Blog” era o título da primeira publicação de Luciano Amaral, quando recém-chegado à blogosfera, em Junho de 2003. Ocupavam-no, como a tantos outros, os desabafos, as opiniões sobre a actualidade e as correcções a jornalistas. “O Comprometido Espectador” foi dado como encerrado um ano depois. “[O blogue] era muito absorvente. Éramos muito poucos [bloggers] na altura, então tínhamos o ‘dever’ de nos dedicarmos àquilo”, afirma hoje.

“A blogosfera não morreu. Pelo contrário, há cada vez mais blogues. O que morreu foi um certo espírito de confraria que estava associado ao começo”, afirma Luciano Amaral, professor na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Em 2004 foi convidado a escrever num jornal e, desde então, fez disso um hábito. Neste momento, são os artigos que escreve que lhe permitem actualizar o seu blogue – "Letra de Imprensa".

“Não tenho a certeza que possamos falar de uma blogosfera como falávamos em 2004 ou 2005. Mas seguramente temos várias blogosferas”, afirma Paulo Querido. Não creio que a blogosfera esteja morta. [Apenas] deixou de ser notícia”, conclui o autor. Não obstante, continuam a existir blogues e, mais do que isso, blogues que continuam a dar cartas.

A grandiosidade do nicho"Artur In The Woods"

é um blogue de moda. Existe há dois anos e meio pelas mãos de Artur Araújo, que já tinha tido outros blogues. Já lhes perdeu a conta, aliás, mas garante que a sua incursão à blogosfera remonta a 2004, quando tinha apenas 12 anos.

É um espaço que se esforça para manter vivo. O “Artur In The Woods” é actualizado entre três a quatro vezes por semana. O número de visitas diárias ronda as 600 (mais 200 do que há dois meses), sucesso em parte garantido pela visibilidade que o blogue adquiriu com a divulgação que o seu mentor assegura nas próprias redes sociais. “Graças às redes sociais existe, agora, uma maior interacção entre leitores e bloggers e uma maior partilha de conteúdos também”, afirma. Ainda assim Artur não tenciona substituir o blogue pela página de Facebook, ou pela conta no Tumblr. “Um blogue é, sem dúvida, mais apelativo”.

Segundo Paulo Querido, os blogues temáticos, ou de nicho, destacam-se hoje pela visibilidade que conquistam. Por abordarem temas específicos fidelizam um público que atende assiduamente a cada actualização com interesse. “Os autores com um gosto especial, um conceito, um tema, acabam, a prazo, por ser mais relevantes no que publicam do que os autores que comentam o dia-a-dia, a política, o desporto, a sociedade”, afirma o jornalista.

Cidadania que está para durar

O “Cidadania Lx” apareceu em 2003 na sequência da polémica sobre a demolição da casa de Almeida Garrett, em Lisboa. O propósito, que ainda hoje se mantém, sempre foi o de denunciar e debater o que “de mau e bom” se passa na capital portuguesa, quer através de textos retirados da imprensa, quer por via de constatações na primeira pessoa.

Paulo Ferrero foi um dos três membros fundadores (e também de ”O Carmo e a Trindade” onde a mesma temática subjaz), que, dois anos depois, viram a equipa a alargar, não só em prol da diversidade de pontos de vista, mas também para tornar mais leve a tarefa de actualizar o blogue. O “Cidadania Lx” tem hoje 78 colaboradores que garantem actualizações diárias da página.

“A média de 600 visitantes diários tem-se mantido, mesmo depois de termos ido para as redes sociais”, alega Paulo. Há cerca de dois anos foram para o Facebook e para o Twitter, este último usado esporadicamente. Paulo Ferrero assegura que os públicos são diferentes e que, enquanto no Facebook, todos os intervenientes “dão a cara”, no blogue os comentários anónimos dão azo a alguns “abusos”. Já pensaram, inclusive, em retirar do blogue a opção de comentar – “é o lado menos bom”, afirma.

Mas a hipótese de pôr fim ao blogue está longe. “Já nos fizeram propostas para fundir o blogue com outros, mas nem pensar”, afirma. O blogue é composto de episódios com os quais as pessoas se deparam no dia-a-dia e talvez seja essa a razão da sua vitalidade, segundo reconhece Paulo. Existem novas ideia para a organização e layout do “Cidadania Lx”, um blogue que está, portanto, para durar.

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