Porto Um banho de rosto
Há um certo sorriso no rosto da menina nua sentada no pedestal que existe na Avenida dos Aliados, no Porto. É o mesmo sorriso há muito tempo - o mesmo sorriso que acolhe os flashes das máquinas fotográficas dos turistas, os dejectos das pombas, a chuva e o frio, o sol cálido e as nuvens de fumo dos escapes dos autocarros. Não se sabe do que ri ainda, que motivos tem, ou, sequer, do que sorria naquele momento que o mármore talhado por Henrique Moreira, em 1929, a fixou para a posteridade.
A estátua, sabe-se, pretendia representar a juventude e talvez seja coisa própria dessa idade sorrir sem ser por nada. Ou talvez a menina sorria por ter encontrado na dureza da pedra a receita da eterna frescura e do permanente viço. Esta manhã, enquanto era lavada por um funcionário da câmara, a menina continuava a sorrir, indiferente ao frio e ao jacto de água do matinal banho. Não se encolheu, não se arrepiou - como não envelhece nem engorda - e continuou sorrindo amenamente, o cabelo apartado por uma risca ao lado, as pernas pudicamente unidas, parecendo mofar dos quatro pícaros mascarões que ali estão também desde sempre e que, imóveis em bronze, não conseguem sequer ver que a menina sorri por cima das suas (risonhas) cabeças. Jorge Marmelo