Novos negócios levam a dona da Jerónimo Martins para a Holanda
Família Soares dos Santos diz que não terá ganhos fiscais imediatos ou no futuro. Mas fiscalistas dizem que empresa terá regime mais atractivo
A Holanda será a rampa de lançamento para novos negócios da Sociedade Francisco Manuel dos Santos (SFMS), que transferiu a sua participação na Jerónimo Martins (JM), onde é o maior accionista, para a sua subsidiária naquele país. A holding da família Soares dos Santos garante que não terá benefícios fiscais imediatos ou futuros decorrentes dessa mudança, mas os fiscalistas contactados pelo PÚBLICO têm uma opinião diferente e dizem que a empresa irá beneficiar do regime de isenção da tributação de dividendos e dos acordos de dupla tributação.
Na segunda-feira, a SFMS anunciou ter vendido sua participação de 56% na JM, dona dos supermercados Pingo Doce, à sua subsidiária na Holanda. A notícia gerou polémica no meio político e nas redes sociais (ver página ao lado), depois de, em 2010, a JM ter sido alvo de críticas, juntamente com a PT e a Portucel, por ter antecipado o pagamento de dividendos para evitar a taxação destes lucros em sede de IRC.
Em declarações à agência Lusa, a SFMS garantiu que a transferência para a Holanda "não tem implicações fiscais" e que não há "alteração à carga fiscal que incide sobre dividendos". Questionado pelo PÚBLICO, o administrador executivo da sociedade, José Soares dos Santos, esclareceu por escrito que esta operação visa dotar a empresa de "maior capacidade de investimento e acesso a mercados financeiros de maior dimensão" e que "a Holanda é o país da zona euro que possui o maior número de acordos comerciais, o que a torna ideal para uma empresa que quer crescer internacionalmente".
A SFMS salienta que a decisão de transferir a sua participação para a Holanda decorre, também, do facto de a JM mostrar uma "dimensão e solidez que lhe permitem efectuar os investimentos na expansão sem recorrer aos seus accionistas", deixando assim a holding da família livre para "estar atenta e disponível para efectuar novos investimentos."
José Soares dos Santos garantiu ao PÚBLICO que a decisão de transferir o capital para a sua subsidiária na Holanda (que tem o mesmo nome que a empresa portuguesa e foi criada em 2007) nada tem a ver com o novo mercado, a Colômbia, onde a JM vai investir 400 milhões de euros nos próximos três anos. E reforçou que a SFMS não terá ganhos fiscais decorrentes da mudança para a Holanda. Nem imediatos, nem futuros.
"O impacto desta operação para os cofres do Estado deve ser neutro", afirma o fiscalista Rogério Ferreira Fernandes, dizendo que a JM SGPS continuará a pagar IRC em Portugal sobre os seus lucros e que os dividendos estarão isentos do pagamento de imposto, devido aos mecanismos que eliminam a dupla tributação. Contudo, ao reforçar o balanço da congénere holandesa com a participação na JM, a SFMS vai poder fazer novos investimentos e assim beneficiar de um regime fiscal mais atractivo, o que implicará uma perda de receitas fiscais para o Estado português.
Ninguém se muda para a Holanda "porque lhe apetece, isso tem custos e envolve preparação e estudo", salienta o fiscalista João Espanha. A razão mais óbvia pode ser, salienta, "evitar a costumeira instabilidade legislativa nacional" e, nomeadamente, que um agravamento da crise possa levar o Governo a mexer nas regras para as SGPS (sociedades gestoras de participações sociais), pondo fim à isenção de mais-valias. Enquanto isso, no Norte da Europa, oferece-se um regime fiscal bem mais atractivo.
Na Holanda, há um regime de isenção da tributação de dividendos recebidos de empresas com sede fora da União Europeia, o que significa que se a holding da família Soares dos Santos quiser investir noutros países beneficiará desse regime. Além disso, o país tem mais de uma centena de acordos de dupla tributação (ver texto ao lado) e o acesso à isenção de mais-valias e tributação de dividendos é mais facilitado.
Um dos fiscalistas contactados pelo PÚBLICO, que preferiu não ser identificado, considera que a questão do financiamento também terá pesado na decisão da JM, visto que, neste momento, o risco de crédito de Portugal e a possibilidade (ainda que remota) de o país vir a sair da zona euro dificultam a obtenção de empréstimos nos mercados.
Holanda já é usada pela JM
A utilização da Holanda como sede de empresas não é uma novidade, nem para algumas das maiores empresas portuguesas (ver texto ao lado), nem para o maior accionista da JM, já que esta controla os investimentos na Polónia através de uma subsidiária neste país, a Tand BV. Com sede em Roterdão, a Tand é detida pela JM SGPS através do Recheio, e controla 100% da JM Dystrybucja.Esta, por sua vez, é dona da Biedronka ("Joaninha"), o negócio de hard discount que o grupo detém na Polónia e que domina o comércio retalhista neste país. Actualmente, a Biedronka é a principal fonte de receitas do grupo JM, tendo sido responsável por vendas de 4,3 mil milhões de euros nos primeiros nove meses de 2011,o que corresponde a 59,1% do total.
A SFMS, criada em 1941, tem o nome do empresário que liderou a JM entre 1921 e 1955. Hoje, reúne os interesses da família Soares dos Santos, que detém 56,14% do capital da JM SGPS. O maior accionista é Alexandre Soares dos Santos, ex-presidente executivo da JM e actual presidente não-executivo deste grupo. Através da Sindcom, Alexandre Soares dos Santos é dono de 38,7% da SFMS.
Ao todo, de acordo com a edição de Agosto da revista Exame, existem 12 accionistas individuais na estrutura desta sociedade, descendentes dos sete filhos de Francisco Manuel dos Santos. Do que se conhece, a JM é a única participação da SFMS, que, em 2010, teve um resultado líquido de 116 milhões de euros. Olhando para os 56,14% que a empresa detém na JM, estes valem cerca de 4,6 mil milhões, tendo em conta o preço das acções em bolsa.