Sobreviventes do "golpe de Beja" contra esquecimento
Na madrugada de 1 de Janeiro de 1962, um grupo de militares e civis tentou tomar de assalto o quartel de Beja, dando assim início a uma revolta que deveria ter sido liderada por Humberto Delgado, que tinha entrado clandestinamente no país em meados de Dezembro de 1961. Um tiro disparado involuntariamente por um dos revoltosos e um infeliz desencontro de Delgado com um colaborador dos invasores impediu o chamado "golpe de Beja" de ter o desfecho ambicionado pelos revoltosos: derrubar António de Oliveira Salazar.
Alguns participantes foram mortos, outros feridos e outros ainda presos, como aconteceu com João Varela Gomes, dirigente militar do golpe, e com Edmundo Pedro (este último esteve encarcerado em Caxias de 1962 a 1965). Humberto Delgado, depois de alguns dias escondido em Beja, viajou para o Porto e dali para Espanha, conseguindo a proeza de nunca ter sido identificado pela PIDE.
Na comemoração dos 50 anos do "golpe de Beja", um grupo de 22 sobreviventes da revolta subscreveu um documento no qual adverte para o esquecimento da data, contestando a "memória apagada" desta efeméride. Uma situação que, segundo os signatários, acontece com outras datas "relativas à memória da resistência antifascista" e que contrasta com "o desvelo comemorativo dedicado ao chamado Estado Novo, seus personagens e afins".
Edmundo Pedro, um dos autores do documento, explicou ao PÚBLICO que esta iniciativa pretende contrariar a ausência de referências a um "acontecimento histórico extremamente importante". "As instituições democráticas deveriam acentuar a importância deste movimento precursor da democracia", disse, notando que a acção de 1 de Janeiro de 1962 "ajudou a preparar o 25 de Abril".
No texto assinado por, entre outros, João Varela Gomes, José Hipólito dos Santos, Francisco Brissos de Carvalho, Artur dos Santos Tavares e Victor Manuel Quintão Caldeira, pode ler-se que, desde Abril de 1974, "tem sido prática corrente (...) minimizar a importância e o significado da Revolta de Beja". Neste âmbito, os signatários apontam o dedo a "obras antigas e recentes" da historiografia nacional, que "nem sequer anotam o acontecido", não mencionando, porém, qualquer livro. Contudo, escrevem, "não serão certamente a contrafacção história ou a posição negacionista" que vão alterar o "significado patriótico/cívico/ético" do golpe, pelo que os antigos revoltosos "sentem-se felizes por poderem afirmar que a Revolta Armada de Beja insere-se, com honra, no processo histórico de luta e resistência do Povo Português contra a ditadura e o fascismo".