Há uma história que gostaria de contar aqui à malta do P3. Trata-se de uma história de... (surpresa, surpresa!) crime e castigo. Há uma heroína, um vilão, e duas vítimas. À heroína vamos chamar sem nenhum motivo especial Cátia Felisberto, ao vilão daremos aleatoriamente o nome de José Sócrates. E, quanto às duas vítimas, uma chamar-se-á Portugal e a outra Irlanda, ambas passarão por adversidades que mostrarão as suas virtudes e defeitos.
(Imagino grande parte dos leitores a interrogarem-se nesta altura: "Sócrates como vilão?! Mas isso é tão primeiro semestre de 2011! Agora temos de achincalhar o Passos [não pode ser Coelho que esse é o nome do nosso futuro Presidente da República, actualmente a cumprir calendário na Assembleia Regional da Madeira]". Mas divirjo.)
Portugal era em 2000 o condado com a mais baixa produtividade de um reino chamado Ué. E a Irlanda o que tinha a sexta melhor. Portugal tinha crescimentos marginais de PIB, sigla muito importante para os sábios desse reino, à custa de crescimentos ainda mais marginais de produtividade dos trabalhadores. Entre 2000 e 2002, o PIB português cresceu 1,85% enquanto a produtividade cresceu 0,6%. Já na Irlanda o PIB tinha crescido na 6% no mesmo período e cada trabalhador tinha produzido mais 3,5%. Eu estou a falar de produtividade e PIB na mesma frase porque a nossa heroína tinha estabelecido uma relação entre estes dois valores num estudo publicado em 2003. E concluía ela [tradução minha]:
"Quando analisamos mais de perto as características do trabalho e investimento nos dois países, percebemos que a Irlanda teve uma maior capacidade de aumentar a sua eficiência através de avanços na educação, formação, conhecimento, tecnologia, pesquisa e utilização de mão de obra intensivamente. Este tem sido o principal motor do crescimento irlandês e parece ser o que falta a Portugal. É muito urgente que Portugal aproxime o seu nível de formação profissional para o nível médio dos países da OCDE, a fim de alcançar uma maior produtividade do trabalho."
Reparem que ela dizia "é muito urgente" em relação a formação profissional que afectasse positivamente a produtividade. Não dizia "um dia destes alguém terá de fazer uma máquina gigantesca de imprimir certificados de ensino secundário sem uso no mundo real".
Mas entra em cena o nosso vilão, Sócrates. E destrói a pouca competitividade do país não fazendo nada em nenhum dos sectores que Cátia referia, ou fazendo coisas que os destruíram irremediavelmente.
Um dia veio uma grande praga, a da dívida soberana. A Irlanda reagiu melhorando ainda mais a sua competitividade porque a sua população estava habituada a lidar com a complexidade dos problemas e com esse povo instruído começou a produzir ainda mais coisas para todo o Reino Europeu consumir.
Portugal como já quase nada produzia, excepto serviços públicos, nada podia fazer para aumentar a sua competitividade porque fábricas que precisassem de muita mão de obra especializada e "clusters" universitários de dimensão crítica não os encontravam. Enquanto a Irlanda se tornou no meio da crise no país com a melhor produtividade do reino de Ué, e parecia sair dela a olhos vistos, Portugal ficava cada vez mais em último e mais pobre.
Esta história é amoral, portanto Cátia não volta com uma espada de fogo a voar num unicórnio para afastar o vilão Sócrates e fazer de Portugal um país como a Irlanda. Suspeito que Cátia não seria ouvida por ninguém se usasse as suas ideias para uma candidatura a primeira-ministra. Rir-se-iam dela e qualquer político de terceira categoria seria capaz de decorar uma "tagline" escrita por um assessor inexperiente que a deixaria fora de si e sem razão em qualquer daquelas coisas em que as pessoas gritam muito para a câmara e a que é costume chamar, pornograficamente, de "debate".
Temos e tivemos muitas Felisbertas nos últimos anos a avisar, incluindo algumas que eram homens e chamavam-se Medina Carreira, mas só se ligou a quem dizia no parlamento o que dizíamos no café. Sócrates foi o nosso Bush, o tipo com quem gostavamos de beber uma cerveja mas de quem nunca, mas absolutamente nunca, compraríamos um carro eléctrico, até porque a marca deixaria de produzir baterias para ele logo a seguir. E Passos é o tipo com quem nunca beberíamos uma cerveja (a conversa seria demasiado deprimente) e que nos venderia o carro tão caro que acabaríamos por descobrir que só temos dinheiro para comprar uma bicicleta. E são estes os que nos levam pelas sementeiras do futuro. Mas esta é outra história... para contar noutro dia. Durmam bem. Se conseguirem.