Caçador de imagensNa primeira pessoa Nuno Sá

Foto
Uma das fotografias que valeram a Nuno Sá o primeiro e o quarto lugares do prémio Epson World ShootOut 2011 (categoria Wide Angle). Na capa, a fotografia de um tubarão azul, com a qual arrecadou o primeiro lugar no Nature Best Photography

2011 foi o ano de ouro de Nuno Sá, fotógrafo português de natureza. A imagem do tubarão azul, que lhe deu uma nomeação nos "Óscares" da fotografia de vida selvagem, correu mundo. Outro tubarão azul, fotografado ao largo do Faial, convenceu o júri do concurso americano Nature Best Photography. Há poucos dias, Nuno Sá soube que tinha sido premiado no Epson World ShootOut.

Nasci há 34 anos no Canadá de pais emigrados no 25 de Abril, e vim para Portugal com 11 anos. Só tive contacto com o mundo subaquático quando andava no segundo ano de Direito, tinha uns 20 e tal anos. Vivia em Sesimbra, mesmo à frente da praia. Fazia surf e fiz um curso de mergulho. Não sei porquê, pouco a pouco comecei a interessar-me imenso pelo mar e começou a tomar forma o sonho de ser fotógrafo subaquático, apesar de nem sequer ter máquina.

Quando acabei o curso, eu e a minha namorada, hoje minha mulher, decidimos tirar um ano para viajar pelo mundo, sempre a mergulhar. A primeira viagem foi às Flores, em 1997. Fiquei apaixonado. Estava habituado a ver umas coisas muito pequeninas no mar de Sesimbra e ali havia coisas fantásticas! Viajámos muito pelo Japão, Austrália, Tailândia, Nova Zelândia, e sempre a mergulhar nesses sítios todos.

Quando regressámos aos Açores já tínhamos a ideia de que este era o sítio mais bonito que tínhamos visto e que era aqui que queríamos viver, mas não nas Flores, que era uma ilha pequenina. Por isso, resolvemos parar em S. Miguel, onde não conhecia ninguém, e aconteceu uma coisa incrível: ainda não tínhamos sequer decidido se iríamos ficar aqui ou continuar a viajar (trabalhava numa empresa de whale watching) quando entrei no curso de Biologia Marinha.

Via baleias e golfinhos todos os dias e queria mostrar isso a toda a gente, aos meus pais e à família... Decidi comprar uma máquina e começar a fotografar para mostrar a experiência que estava a viver. Tinha que conciliar as saídas de mar com o estudo, mas passados dois anos já não conseguia fazer as duas coisas. Basicamente, entrei no mundo editorial porque vendia umas fotografiazinhas aos turistas quando eles iam a sair dos barcos; um editor local interessou-se, convidou-me para fazer uma colecção de postais e como esta colecção correu muito bem, desafiou-me para fazer o primeiro livro. Nessa altura resolvi que tinha de começar a investir em material... Quando dispunha de uns dinheirinhos, comprava uma lente, uma máquina e continuei nisso durante uns três anos. Ao todo, já cá estamos há nove anos.

Também fazia fotografia de terra e livros para ir ganhando dinheiro que me permitisse fazer o que queria - fotografia de natureza. Comecei a acreditar que se calhar isso era possível, embora não tivesse nenhum exemplo de referência a nível nacional.

O grande salto

Em 2008 estava a ler um jornal local e vi que uma imagem tirada nos Açores por um fotógrafo profissional tinha sido premiada no Wildlife Photographer of the Year, que era e ainda é o maior concurso de fotografia a nível mundial, com mais de 40 anos de existência. Fiquei a saber que existia esse concurso e resolvi concorrer no ano seguinte. Consegui ser premiado e soube na altura, quando recebi o resultado, que era o primeiro português a ser premiado nesse concurso [promovido pela BBC e pelo Museu de História Natural de Londres, cujas fotos ficam em exposição no Museu durante um ano]. Isso provocou um bocado de burburinho na comunicação social e resolvi que ou dava o passo para me tornar profissional ou a oportunidade passava.

No início de 2009 tornei-me profissional e desde aí tem corrido muito bem, pois estes concursos dão uma enorme visibilidade. Fui convidado a participar no projecto internacional Wild Wonders of Europe, em que foram contratados setenta e tal fotógrafos de natureza das diversas especialidades para andar pela Europa inteira a fotografar tudo quanto há, de baleias a aves, insectos, tudo. Nesse mesmo ano comecei a publicar na National Geographic. Colaboro com muitas revistas internacionais de mergulho e fotografia de natureza e passei a ser regularmente premiado em concursos internacionais. Desde 2008 que o meu objectivo era voltar a ser contemplado no Wildlife Photographer of the Year, pois não há nada que se lhe compare em termos de visibilidade e prestígio. Foi o que aconteceu este ano...

Lá fora, cada vez trabalho mais com revistas e agências, pois em Portugal não existe mercado para além da National Geographic e mesmo aí não consigo publicar mais do que três artigos por ano. Este ano foi excepcional, ao ser premiado outra vez no Wildlife Photographer of the Year. Dias depois soube que tinha sido premiado no concurso Nature Best Photography (categoria Oceanos), que é o maior concurso americano do género [neste, as fotos ficam expostas no Smithsonian Natural History Museum, em Washington, entre Abril e Setembro de 2012]. E há poucos dias, foram-me atribuídos o primeiro e o quarto lugares do prémio Epson World ShootOut 2011 (categoria Wide Angle). Provavelmente nunca mais vou conseguir fazer isto outra vez na minha carreira.

Contar uma boa história

Consigo ter meios de subsistência com o trabalho para as editoras e com as publicações, mas o investimento que tenho de fazer todos os anos em material fotográfico é muito, pois este é dos tipos de fotografia mais caros do mundo - tenho um carro de 1500 euros e mais de 40 mil de material fotográfico lá dentro. Para fotografar uma baleia tenho de alugar um barco que pode custar entre 500 e 600 euros por dia e passar vários dias em alto-mar à procura.

O que eu gosto de fazer é fotografia em alto-mar, com grandes animais de espécies oceânicas e pelágicas - baleias, tubarões, jamantas, tubarões baleia, que são fotografados quase todos dentro de água. Cada vez é mais difícil obter imagens inéditas. Agora só trabalho por objectivos, para contar uma história do princípio ao fim. Por isso, vou sempre à procura de coisas específicas. É uma coisa que aprendi com a National Geographic: não é só tirar uma fotografia que impressione, isso é bom para os concursos, mas em termos de publicação tem de se contar a história inteira.

O meu trabalho passa muito por tentar mostrar coisas novas, surpreender e mostrar aos portugueses o que temos no nosso mar. Noventa e nove por cento das pessoas não fazem a mínima ideia que temos a maior comunidade de cavalos-marinhos do mundo na Ria Formosa (Algarve), que temos o maior peixe do mundo (o tubarão baleia) junto a Santa Maria, ou que existe no mar dos Açores o tubarão frade, segundo maior peixe do mundo. Também há nas águas da Madeira o mamífero marinho mais raro do planeta, a foca monge. Vivem nas nossas águas mais de um terço das espécies cetáceas existentes. Tudo isto se pode mostrar, mas que é difícil e muito caro fazê-lo, isso não há dúvida.

Nos Açores é muito imprevisível, porque vai-se para alto-mar à procura de uma espécie específica e vê-se tudo menos o que se estava à espera de encontrar. Já fui para as Ilhas Desertas (Madeira) fotografar focas monge e estive 22 dias numa casa de madeira com os vigilantes da natureza a tentar encontrá-las. Era para ficarmos 15 dias, mas veio um temporal e tivemos de manter-nos lá mais uma semana. Nos últimos dias já só comíamos massa com atum a todas as refeições...

Pérola do Atlântico

Eu gosto de viver nos Açores porque são a pérola de Portugal em termos de biodiversidade marinha. Mas também tento encontrar coisas que não se sabe que existem, tanto no continente como na Madeira ou noutro local qualquer, e mostrá-las.

Numa das últimas edições da National Geographic mostrei uma colónia de tunicados, pequenos organismos de três milímetros que vivem juntos, com a forma de um tubo que chega a ter quatro metros de comprimento. Andam nas águas à deriva e conseguem propulsão quando todos injectam água para dentro do tubo ao mesmo tempo.

Este ano encontrei peixes lua (espécie que existe no nosso Oceanário), numa colónia de peixes pequenos a cerca de 50 metros de profundidade, junto a Santa Maria, uma coisa que não se sabia que existia na região. Sabíamos que existiam em alto-mar e adultos.

O meu primeiro artigo para a National Geographic portuguesa foi sobre tubarões baleia, que nunca ninguém tinha fotografado nos Açores e eu tive a sorte de encontrar - sabia pelos pescadores que eles existiam e foi uma questão de paciência e de passar muito tempo atrás deles até os encontrar... E também tive a sorte de fotografar pela primeira vez no mar dos Açores tubarões frade. Pensava-se que eles só ficavam junto às costas continentais europeias e americanas, não se sabia que eles atravessavam o Atlântico... Estava no meio de um grupo de baleias comuns enormes, com mais de 20 metros de comprimento, e de repente vi uma barbatana e reconheci-a imediatamente (uns meses antes tinha estado na Escócia, no melhor sítio do mundo para fotografá-los). Meti-me de imediato na água e era realmente um tubarão frade com cerca de oito metros de comprimento, nunca antes fotografado cá.

Consegue encontrar-se regularmente coisas que nunca tenham sido vistas e é isso que eu gosto de fazer. Quando tal acontece, a sensação é fantástica.

Ossos do ofício

Durante quatro a cinco meses ando a correr de um lado para o outro, para as ilhas todas, pois cada uma tem as suas coisas - vou fotografar meros para o Corvo, tubarões azuis no Pico e Faial, tubarões baleia em Santa Maria, jamantas e peixes pelágicos nas Formigas, isto quando não tenho de ir à Madeira ou ao continente. E agora estou a tentar explorar outros sítios fora de Portugal para poder ter actividade durante o Inverno. Mas aquela é a situação ideal, pois assim tenho tempo para escrever os artigos e organizar todo o material obtido durante o Verão.

Fisicamente é muito desgastante e chego ao final da época completamente exausto e doido para que chegue o Inverno. Mas três semanas depois já estou outra vez com saudades do Verão!

Para fazer bem as coisas tenho que saber mergulhar bem; no Verão é todos os dias e agora já tenho bastante experiência. É preciso estar em boa forma física, porque o mergulho em alto-mar, que é o que eu gosto de fazer, não é feito com garrafas, mas em apneia, mesmo com os tubarões baleia, pois são animais que se movem com muita rapidez e nós temos de estar o mais leves possível. E isso é muito puxado, pois quem quiser fotografar um tubarão baleia de baixo para cima tem de mergulhar aí até aos 20 metros. Por isso, no Inverno tenho de fazer o máximo de preparação física para chegar ao Verão mas melhores condições possíveis.

Património desconhecido

Nós não conhecemos o nosso património natural e, por isso, nem sequer o valorizamos. A conservação ambiental só existirá quando houver em Portugal uma opinião pública esclarecida e as pessoas tiverem preocupações ambientais.

Estamos muito longe de perceber a sorte que temos por viver onde vivemos, e que é necessário valorizar a vida marinha que temos. Fala-se que o futuro é o mar, mas enquanto não houver mais consciência do património que temos e de que é necessário protegê-lo, há um longo caminho a percorrer.

Os Açores são um pequeno oásis no meio do Atlântico, mas são um reflexo de todo o mar à sua volta. Já se nota a rarefacção da vida marinha. Não existem reservas marinhas na região, mas existe um caso exemplar no Corvo. Três habitantes decidiram abrir um centro de mergulho e perguntaram aos pescadores se podiam fazer uma reserva, ali mesmo à saída do porto, onde havia muitos meros. Eles responderam que sim. Existe há 12 anos, sem qualquer legislação de enquadramento, é a única reserva voluntária marinha de Portugal, e provavelmente da Europa. É o único sítio criado expressamente para o mergulho. Parece que estamos nas Maldivas, com meros, cardumes de lírios, encharéus!... Uma pessoa olha para aquilo, vê o potencial que temos e depois não há zonas onde possamos ver isso! É preocupante.

O maior prazer

O que mais prazer me deu foi fotografar as focas monge na Madeira. Era numa missão para o Wild Wonders of Europe, foi a primeira vez que fiz uma capa da National Geographic, e também a primeira vez que publiquei na edição internacional dessa revista. Havia toda a envolvência de estar numa ilha deserta, apenas com os dois vigilantes da natureza e com o mamífero marinho mais raro do mundo.

Tive uma sorte tremenda, pois logo nos primeiros dias consegui imagens muito boas e apanhei um casal de focas monge a acasalar, uma situação de que não existia sequer registo. É a minha experiência de fotografia de natureza mais intensa.

Gostava de voltar lá de novo, porque acho que é o exemplo que temos a nível nacional de uma espécie que foi extinta na maior parte dos países da bacia mediterrânica nos anos 1980 e ficou reduzida a uma população de pouco mais de meio milhar de animais. Trinta anos depois, continuam a ser os mesmos animais. É o mamífero marinho em maior perigo de extinção a nível mundial e a Madeira conseguiu dar um exemplo de conservacionismo a nível nacional. Com os recursos existentes e a pouca vontade que existe em Portugal para proteger o ambiente, conseguiram criar uma reserva e passar a população para cerca de 30 animais em pouco mais de duas décadas, o que não é nada mau!

Frustrações sem conta

Mas também houve tantas experiências frustrantes... Já passei dias e dias no mar sem conseguir nada do que queria - na Escócia, por exemplo, com o tubarão frade, um peixe que abre a boca e filtra enquanto se desloca; era essa fotografia que eu queria tirar.

Levávamos quatro horas até chegar ao local e passávamos 12 horas no mar. Passei lá oito a dez dias, com uma péssima visibilidade e a água do mar geladíssima. Ia com mais três ou quatro fotógrafos de natureza que se metiam 15 minutos na água e saíam transidos. Estive sete horas seguidas dentro da água sempre atrás dos tubarões, vimos uma quantidade infindável de animais, e sempre que se aproximavam de mim fechavam a boca e afastavam-se...

No último dia eu já estava tão desesperado que o skipper disse-me que, se quisesse, ficávamos a dormir no mar e tentávamos no dia seguinte de manhã, antes de nos irmos embora. Não tínhamos nada para comer nem sítio para dormir. Pescámos umas cavalas, cozinhámo-las a bordo com um bocado de carvão que ele tinha no barco e comemo-las com pão. Dormimos ao relento, com um frio de rachar, as mãos nos bolsos, a tremer de frio e dois coletes salva-vidas no chão a fazer de colchão.

Felizmente, naquela altura do ano e onde nos encontrávamos, só era escuro da meia-noite às quatro da manhã, pois a noite era curta e nós ficámos a olhar para o horizonte à espera de ver o sol nascer. Dez dias atrás da imagem e não consegui fazê-la!... Mas isso aconteceu-me tantas vezes que já lhe perdi a conta. Posso passar 18 horas no mar sem conseguir a imagem e há um dia em que tudo bate certo! A imagem no mar é muito difícil. Mas é a vida com que sempre sonhei e estou a aproveitá-la ao máximo.

(Escrito a partir de uma conversa com Nuno Sá no Livramento, ilha de S. Miguel)

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