Revolução na educação

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"En Rachâchant" (1982), filme de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub a partir de um conto de Marguerite Duras sobre um rapaz que não quer ir à escola

Os sistemas educativos actuais orientam-se para a formação de "gerações de máquinas eficazes" cujo objectivo é realizarem lucro e crescimento económico, fins que não se acordam com a liberdade de cidadania, a saúde, o bem-estar e a justiça.

Sir Ken Robinson é um dos mais lúcidos especialistas em educação e há muitos anos que investiga a relação da educação com a criatividade e desta com os múltiplos modelos utilizados pelos diversos governos em todo o mundo, face aos quais é na generalidade muito crítico, fundamentalmente porque os considera modelos datados ainda da Revolução Industrial. É também de uma notável capacidade de comunicar, como se pode ver nas dezenas de "conversas" no YouTube, onde é um dos endereços mais procurados (ver, por exemplo, http://www.youtube.com/watch ?v=9X0CESnGQ8U&feature=related, uma comunicação sobre educação artística). A base de toda a sua argumentação é: não precisamos de mais reformas na educação, não necessitamos de evoluir nos sistemas educativos escolares; precisamos é de uma revolução que questione a linearidade da vida, do progresso e da educação e atente à multiplicidade e à imprevisibilidade. A metáfora retirada à agricultura de que uma flor acontece, mas a sua forma exacta e o seu tempo de florir são impossíveis de determinar serve-lhe como exemplo para reclamar a revolução. Naquela que é a sua obra de referência sobre a criatividade e a educação - "Out of Our Minds", publicada em 2001 -, enumera um conjunto de postulados que considera fundamentais para a realização da criatividade humana e da sua expressão. Desse conjunto vasto de condições sabiamente demonstradas, é oportuno enunciar aquelas que melhor se adequam ao actual sistema de ensino naquilo que comummente se chama o ramo artístico ou criativo. A saber:

Enfrentar a Revolução - para Robinson, vivemos hoje uma Revolução a sério que, por intermédio das tecnologias, está acontecer a um ritmo muito acelerado nos mercados mundiais e na circulação em geral, e nas ciências em particular. Ele considera que há profissões que se vão extinguir e outras novas que irão aparecer, havendo, sobretudo, uma alteração radical do modo de produzir. Para enfrentar esta realidade são necessárias novas ideias; assim como é necessário um novo sistema de educação para lidar com estas alterações dos mercados e da distribuição dos bens produzidos. Você é mais do que pensa - é preciso educar, educar todos os dias, e cada vez mais e melhor; mas esta educação deve ter um âmbito alargado e como que uma componente quase oficiosa. Aprendemos muito para além do que nos é ensinado no sistema educativo tradicional, que dá primazia ao treino académico da inteligência. Robinson considera que é importante manejar áreas vizinhas da educação tradicional, assim como é necessário experimentar outras competências menos ortodoxas da formação.

Estratégias de sucesso - é cada vez mais uma constante os governos apelarem à mais-valia que a criatividade representa. Contudo, na maioria dos casos, têm dela uma visão conservadora e académica. O que este autor propõe é que se reflicta e que se activem as singularidades da criatividade. As pessoas não são criativas em geral. Diferentes pessoas têm criatividades diferentes, conforme o seu tipo de inteligência, e é preciso considerar esta nova acepção da criatividade.

Sentir melhor - uma visão conservadora da criatividade tem desconsiderado a importância das emoções no processo criativo. Ora, à luz inclusivamente dos mais recentes estudos de neurofisiologia, é um facto que a criatividade não é um processo puramente intelectual. Ela é enriquecida por outras capacidades como as emoções, a intuição e a imaginação.

Uma Cultura da Criatividade - a Cultura está intimamente ligada à criatividade; não há ideias criativas no vácuo e o contexto cultural pode matar ou, pelo contrário, criar criatividade. É necessário estar disponível para a inovação imprevista e imprevisível, e por isso livre de controlos programáticos.

Segundo Ken Robinson, as maiores revoluções no domínio do conhecimento foram maioritariamente imprevisíveis. A maioria destas afirmações, dir-se-á, é reconhecida e até reclamada por políticas educacionais. Na verdade não o são e as chamadas políticas culturais não são mais do que secções dos programas partidários, redigidos tendo sempre como finalidade contrariar o que o ou os partidos que estão no governo executam. Mas pode haver de facto uma política para a educação que admita e sustente a revolução de Sir Ken Robinson. Ela pode ser vista a partir das teses da filósofa de ciência política americana Martha Nussbaum e da sua obra "Not for Profit. Why Democracy Needs the Humanities", que data de 2010. De uma forma muito sumária, a autora afirma que está em causa uma crise mundial muito maior do que a própria crise financeira; a crise é a do futuro das democracias à escala mundial, consequência do abandono na educação daquelas que foram durante séculos a sua base e razão de ser, ou seja, as Artes e as Humanidades, descendentes do estudo renascentista. A autora, que é professora em universidades americanas e indianas, reporta um estudo comparativo de currículos e da evolução social e política deste dois países para concluir que os sistemas educativos actuais se orientam para a formação de "gerações de máquinas eficazes" cujo objectivo é realizarem lucro e crescimento económico, sendo que tais objectivos não se acordam com a liberdade de cidadania, a saúde, o bem-estar e a justiça. A África do Sul sob o regime do "apartheid" desenvolveu um modelo de crescimento que produziu riqueza, mas não acabou com a desigualdade social e, durante décadas, sustentou o "apartheid".

Martha Nussbaum propõe na verdade uma educação em que a política esteja claramente presente e, não por acaso, vemos que os seus pontos acertam com as teses de Ken Robinson, seja especificamente sobre educação artística ou criatividade. Sem discorrer em detalhe sobre os programas de Marhha Nussbaum, pode afirmar-se que a autora advoga que a aprendizagem da democracia e a formação do cidadão do mundo sejam as bases de toda a aprendizagem: na escolaridade obrigatória, nas universidades, se for o caso, e isto tanto nas ciências exactas como nas artes. O regime é o da colaboração crítica, tanto entre os estudantes como entre os professores. Do reportório dos assuntos a estudar estão: desenvolver a capacidade de olhar o mundo do ponto de vista de outros, em particular daqueles que habitualmente são apenas os objectos de estudo; aprender como comportar-se face às situações de fragilidade - que não deve ser considerada vergonha -, enveredando pelo estudo da cooperação e reciprocidade; promover energicamente o pensamento crítico e a capacidade de ter coragem para poder afirmar a diferença de ponto de vista; dotar os estudantes de capacidades de reflexão adequadas sobre as questões políticas dos seus países, aprendendo a examinar com clareza e argumentar com método; dotar os estudantes de capacidades que lhes permitam olhar o conjunto dos problemas do seu país que vão além dos problemas dos seus grupos, e de seguida olharem o seu país como uma fracção da ordem mundial complexa onde se colocam muitos problemas que exigem deliberações transnacionais permanentes. É um programa educativo com um currículo político? Sim, é-o oportunamente e até com carácter de urgência para que, como dizem os autores supra-citados, possamos desenvolver um estudante enquanto cidadão, activando o seu talento cada vez mais necessário num momento em que já não há países isolados, antes um mundo interdependente e em mudança permanente que é fundamental que seja democrático.

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