Torne-se perito

"Não devo voltar à Guiné, lá não há hemodiálise"

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Instalações da casa de acolhimento Da Fraternidade, em Chelas enric vives rubio

Antigo futebolista, Ricardo Sanhá criou casa de acolhimento para compatriotas sem apoios

Ismael Tchemba, de 26 anos, insuficiência renal. Há quatro meses que veio da Guiné -Bissau. Vive há cerca de um mês numa casa de acolhimento, em Lisboa - a casa de acolhimento Da Fraternidade, na zona J de Chelas. Está em tratamento no Hospital de Santa Maria. Mas tem muitas dúvidas e ansiedade sobre o seu futuro. "Não devo voltar à Guiné, lá não há hemodiálise", diz com desalento. Tem pela frente o frio de Portugal e algumas pessoas de boa vontade que aceitam ajudá-lo. Bissau, a sua família, os seus amigos estão a muitos milhares de quilómetros de distância.

Para conseguir o visto para entrar em Portugal, o pai de Ismael Tchemba aceitou pagar a passagem de avião a um "amigo", que, em troca, se comprometeu a assinar um termo de responsabilidade para receber o filho em Lisboa. Mas quando Ismael teve alta do hospital para onde foi enviado há quatro meses numa situação de urgência, o amigo não respondeu a nenhum contacto, conta Ismael, indignado.

A assistente social teve então de procurar uma solução para o seu caso, mas os contactos com a embaixada também não resultaram, segundo conta Tchemba. Foi uma amiga que lhe falou então na recém-criada casa de acolhimento onde agora vive e onde tem a companhia de uma compatriota, Binta Cassoma, de 31 anos, em tratamento na Maternidade Alfredo da Costa.

A casa de acolhimento Da Fraternidade, inaugurada há cerca de um mês, pertence à Fundação Ricardo Sanhá e é a primeira para doentes da Guiné-Bissau. Antigo jogador no Sporting, guineense, Sanhá resolveu aproveitar uma casa que a câmara desalojara em Chelas e construir um centro para acolher conterrâneos seus sem possibilidades financeiras nem quem os receba em Portugal.

Ricardo Sanhá conta que decidiu avançar com este projecto de solidariedade em memória da sua infância pobre e difícil na Guiné. Lembra-se de andar com a mãe a apanhar garrafas que as pessoas deitavam fora para vender e arranjar algum dinheiro. Uma tia trouxe-o para Portugal e com nove anos já jogava no Sporting. Foi com essa idade que recebeu a notícia de que a mãe morrera. O pai, nunca o conheceu.

Um dia, de viagem até Bissau, lamentou-se a uma vizinha idosa pelo facto de já não poder mostrar à sua mãe que se "fizera um homem" e dizer-lhe que queria ajudar os outros. "Aquela mulher disse-me: "Faz o que tens a fazer como se fosse para ela"", conta Sanhá. Foi então que, "com o pouco que tenho, resolvi criar a fundação" e, agora, a casa de acolhimento com capacidade para receber 15 pessoas. A condição é que não tenham qualquer espécie de apoio em Portugal e sejam indicadas pela embaixada.

O apartamento já tem também um quarto reservado para acolher crianças. "As crianças não podem ser o futuro se estiverem doentes", diz Ricardo Sanhá, "confortado" por poder dar um contributo para ajudar os mais frágeis do seu país.

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