Morreu Christa Wolf, a consciência crítica de uma Alemanha dividida

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Morreu em Berlim, a cidade onde vivia desde os anos 1950, o símbolo da Alemanha dividida que foi, a par de um feminismo que era reflexo da pressão inevitável da sociedade sobre o indivíduo, o grande tema do seu trabalho literário. Christa Wolf, autora de "Cassandra: Narrativa" ou "Medeia: Vozes", voz polémica na antiga República Democrática Alemã (RDA), de que foi uma das escritoras mais respeitadas mas, igualmente, uma das mais críticas; voz que se manteve polémica quando da reunificação (a que se opôs), morreu esta quinta-feira, aos 82 anos, de "doença prolongada", anunciou a sua casa editorial a Suhrkamp-Verlag.

Candidata ao Nobel, viu o seu amigo Günter Grass, distinguido pela Academia Sueca em 1999, declarar na altura que gostaria de partilhar com ela aquela que é a mais importante distinção literária mundial.

Nascida em 1929 na Prússia Oriental, território actualmente polaco, tornar-se-ia cidadã da Alemanha de Leste no fim da II Guerra Mundial, quando a família, pela origem alemã, foi expulsa da cidade onde nascera, Landsberg an der Warthe (renomeada Gorzów Wielkopolski quando se tornou território polaco), instalando-se em Mecklenburg, na República Democrática Alemã.

Irrompe literariamente no panorama germânico em 1963, com a publicação de "Der Geteilte Himmel" ("O céu dividido" em tradução literal), e foi ganhando protagonismo na literatura alemã através de obras como "Nachdenken über Christa T." ("Em busca de Christa T.", em tradução literal), de 1968, e já nos anos 1980, com as supracitadas "Cassandra: Narrativa" e "Medeia: Vozes", editadas em Portugal pela Cotovia.

Na década de 1990, a revelação de que fora informadora da Stasi, a polícia política da RDA, durante dois anos (1959/1961), pô-la novamente no centro da polémica. A revelação de que os seus relatórios eram inofensivos, que os agentes da Stasi criticavam a sua falta de empenho na função e que Wolf passou rapidamente de informadora a alvo das investigações da polícia política, que seguiu os seus passos durante três décadas, não aplacou as críticas.

As feridas nunca saradas da reunificação alemã e o pesado legado dos totalitarismos que assolaram o país foram o pano de fundo de todo o seu pensamento literário. Enquanto escritora, dizia em entrevista ao Die Zeit, em 2005, tentava aproximar-se de si através da escrita: "Chegar o mais perto [de mim] que consiga, e tão impiedosamente quanto me for possível". O ano passado foi distinguida com o prémio Thomas Mann, um marco para qualquer escritor em língua alemã. O júri escolheu-a por uma obra que "analisa as lutas, esperanças e erros do seu tempo de uma forma crítica e autocrítica, com profunda seriedade moral e narrativas poderosas".

Casada desde a década de 1950 com o também escritor Gerhard Wolf, foi mãe de dois filhos.

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