Honestidade? Consuma com moderação

O português não pensa em “peanuts”, como uma entrada para ir ver a bola; suspira pelo Euromilhões no bolso, mesmo que não jogue, e acha que a culpa da crise não é sua

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THOMAS PETER/REUTERS

Reza a lenda que no século XVIII, o embaixador de Portugal junto do Vaticano convidou todos os portugueses residentes em Roma a assistirem a um espectáculo no Teatro Argentina, bastando dizer que era português para ter, de imediato, acesso gratuito ao recinto. Porém, muitos romanos trataram logo de aproveitar a ocasião para se fazerem passar por portugueses e… entraram sem pagar. O certo é que ainda hoje, em Itália, a expressão “fare il portoghese” é utilizada para classificar os “espertos” que querem usufruir de algo sem terem de pagar. A má fama portuguesa já vem de longe, ainda que por vias muito travessas e por demais injustas…

 

Vem este intróito a propósito de uma iniciativa recente de uma conhecida marca de refrigerantes (a Coca-Cola), às portas do Estádio da Luz, na semana anterior ao Benfica-Sporting. A ideia foi simples: deixar uma carteira abandonada no chão, com um bilhete para o jogo. O objectivo: ver quantas pessoas devolviam a carteira. Os momentos foram filmados por uma câmara escondida (o filme passou minutos antes do jogo de futebol nos ecrãs do estádio) e os “honestos” foram premiados com um bilhete a sério para o jogo. O resultado foi surpreendente – 95 por cento das pessoas devolveram a carteira.

 

São, ou não, honestos os portugueses? A lenda vale o que vale e esta amostra vale o mesmo. Bem reais são os números: no final do ano passado, os portugueses deviam ao Fisco qualquer coisa como 9,8 mil milhões de euros, de acordo com a Conta Geral do Estado de 2010. Neste bolo, há a considerar que existem cerca de 6,7 mil milhões de euros ainda passíveis de serem cobrados, ou seja 3,9 por cento do Produto Interno Bruto português; a dívida incobrável, à qual o Estado já disse adeus, chega aos 3,1 mil milhões de euros. Quanto a processos relativos a dívidas ao Fisco “estacionados” nos tribunais, perfazem a bela maquia de 7,6 mil milhões de euros. Se o Estado tiver razão nesses processos, e tirando rapidamente a calculadora do bolso, constata-se que o valor total das dívidas dos portugueses à máquina fiscal atinge uns incríveis 17,4 mil milhões de euros.

 

Não sei se a senhora Merkel e o senhor Sarkozy (ou “Merkozy”, como espirituosamente vai sendo apelidada esta dupla) sabem destas histórias e agem em conformidade. Mas parece-me que queremos entrar no comboio do desenvolvimento económico sem ter de pagar o respectivo bilhete. O português não pensa em “peanuts”, como uma entrada para ir ver a bola; suspira pelo Euromilhões no bolso, mesmo que não jogue, e acha, quase invariavelmente, que a culpa da crise não é sua. Não tivesse ele ido às urnas escolher quem nos governa. Pode não parecer, mas é complexo este português pensativo…

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