Aprovada taxa intermédia do IVA na cultura

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O IVA para as actividades culturais vai aumentar para 13 por cento Mário Marques/arquivo

A proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2012 deu entrada na segunda-feira no Parlamento e foi debatida em plenário. Durante o debate tanto o PS como o PCP acusaram a maioria de "fingir" não aumentar o IVA nas actividades culturais quando na realidade propõe um aumento da taxa reduzida.

Esta decisão surge depois de Francisco José Viegas, secretário de Estado da Cultura, ter dito no Parlamento na reunião conjunta da comissão de Orçamento e Finanças e da Cultura, no dia 17, que o Governo estava disponível para negociar a proposta de aplicar a taxa máxima de IVA aos bilhetes de espectáculos.

Nessa reunião, Viegas explicou que a proposta, inscrita no seu orçamento, poderia vir a ser negociada com a oposição. “O assunto não está fechado”, garantiu.

Taxa dos livros a 6%

Em Outubro, um grupo de agentes culturais formalizou a criação de uma comissão que apresentou ao Governo a proposta alternativa de que o aumento do IVA cobrado na área voltasse a entrar para o sector. A reunião destes agentes do espectáculo aconteceu logo a seguir a Francisco José Viegas ter anunciado que o imposto nos livros se manteria a 6%, enquanto o dos espectáculos subiria para a taxa máxima de 23%.


"Não deixa de ser confrangedor que o único sector que o secretário de Estado conhece em profundidade seja também o único para o qual arranjou argumentos convincentes para evitar esta subida brutal da taxa do IVA", escreveu na altura a deputada socialista Inês de Medeiros num artigo de opinião publicado no PÚBLICO.

Sobre o aumento da carga fiscal, ainda em Outubro, o secretário de Estado da Cultura explicou numa entrevista ao PÚBLICO que o objectivo era proteger todos os sectores e que várias hipóteses estavam ainda a ser estudadas. "Acho que ninguém pode criticar o Governo por não aumentar a taxa do livro (...). O livro é o centro gravitacional da nossa cultura", disse Viegas.

Esta proposta de passagem "dos espectáculos não desportivos" para a taxa intermédia de 13% não representa um recuo mas confirma "apenas que foram prematuras as reacções por parte de alguns dos representantes do sector cultural e que surgiram por antecipação, antes da efectiva decisão parlamentar", disse esta segunda-feira ao PÚBLICO fonte do gabinete de Viegas.

"O que isto quer dizer é que a taxa do IVA duplica. Não é uma proposta de que o sector precisava", disse ao PÚBLICO a deputada do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, lembrando que as estruturas artísticas estão fragilizadas e as pessoas sem poder de compra. "É uma medida que prejudica o sector cultural. O próprio Estado vai receber menos com isso. As pessoas não vão ter dinheiro para comprar bilhetes", continua a deputada, explicando que o Governo devia antes "proteger o sector".

Ideia partilhada pela deputada socialista Inês de Medeiros, que acusa o Governo de "falta de estratégia" para a cultura. "É um desrespeito absoluto", disse a deputada, destacando que a esta medida é preciso juntar os cortes nos apoios da DGArtes, o desinvestimento das câmaras, a falta de público e de apoios.

Emídio Guerreiro, deputado do PSD, condenou a “amnésia” dos socialistas, defendendo que se o país vive de “mão estendida à Europa a pedir dinheiro para pagar salários” ao Governo do PS o deve.

13% é reconhecimento da importância da cultura

Para Álvaro Covões, da produtora Everything is New, organizadora do festival Optimus Alive, o recuo da maioria “é uma boa notícia”, mas não deixa os agentes culturais despreocupados. “Era uma injustiça passar da taxa mínima para a máxima, de um momento para o outro, mesmo reconhecendo as dificuldades que o país atravessa”, diz. “O sector já está com enormes problemas e ter o aumento do IVA anunciado seria uma tragédia. Esta descida em relação à proposta inicial do governo é muito importante, significa que fomos ouvidos.” Covões refere-se a um grupo de representantes do sector que apresentou uma série de propostas ao governo, em reacção ao anúncio da passagem do IVA dos espectáculos de 6 para 23%.


“A taxa intermédia é um reconhecimento da importância da cultura para as pessoas, mas é também o reconhecimento de que o aumento para 23% estava longe de representar o encaixe financeiro que o governo esperava”, acrescenta. O aumento da taxa representaria, nas expectativas do Executivo, um ganho de 12 milhões de euros, precisa Paulo Dias, da produtora UAU. “O que tentámos demonstrar, e pelos vistos conseguimos, é que estas expectativas de receita eram completamente irrealistas”, diz o director geral da UAU. “Nunca aconteceriam porque as pessoas deixariam, pura e simplesmente, de comprar bilhetes.”

Álvaro Covões e Paulo Dias dizem agora que os 13% vão minorar as consequências no sector, que está a sentir os efeitos da crise há mais de um ano, “mas elas vão continuar a fazer-se sentir”. “É claro que vamos fazer menos espectáculos, menos concertos, vender menos bilhetes… Tudo isso se vai reflectir em despedimentos e num abrandamento da economia. Mas é a realidade que temos – e é melhor que uma realidade com IVA a 23%”, reconhece Dias, definindo este recuo da maioria PSD-CDS como uma “meia vitória” dos agentes culturais e do público.

Ainda que relativamente optimistas com a “meia vitória”, os dois produtores não deixam de mostrar a sua indignação: “Um dia depois de ter sido considerado património da humanidade, é curioso que se fique a saber que um bilhete para ouvir cantar o fado seja taxado a 13% e ‘A Bola’ tenha o IVA a 6%.”

José Luís Ferreira, director do Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, recebeu a notícia da proposta da maioria com muito mais reservas. Trata-se de duplicar o IVA dos bilhetes dos espectáculos, sublinhou, acrescentando que este anúncio de que o aumento afinal não vai ser de 23% cria uma “falsa sensação de alívio”: “Esta tem sido a estratégia do governo – anunciar cenários catastrofistas para depois introduzir medidas que, não sendo tão más como inicialmente previsto, são efectivamente brutais.” É por isso que o director do São Luiz continua “inquieto e preocupado”.

“É preciso não esquecer que o aumento do IVA se vem juntar a uma redução violenta do financiamento dos organismos públicos e a um corte dos subsídios às companhias independentes que, na sua maioria, fazem serviço público”, diz José Luís Ferreira. Tudo somado, “é um desinvestimento no acesso dos cidadãos à cultura” e um “reflexo da falta de políticas de fundo”, que se tem traduzido num “conjunto de medidas avulsas”, de que o aumento do IVA faz parte.

Notícia actualizada no dia 29/11 às 13h45
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