Retrocesso civilizacional

Andam a dizer que as "sitcoms" clássicas estão de volta. Pode (ainda) ser um exagero, mas não augura nada de bom

Em “New Girl”, Zooey Deschanel interpreta Jess, uma totó desajeitada que não consegue fazer nada sem um homem DR
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Em “New Girl”, Zooey Deschanel interpreta Jess, uma totó desajeitada que não consegue fazer nada sem um homem DR
Whitney
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Whitney

No outro dia, o meu patrão começou a falar do “regresso da 'sitcom'”. Se bem me lembro, tinha lido no “The New York Times” que os estúdios tinham voltado a apostar no formato, porque fazer "sitcoms" sai barato e não há dinheiro, e queria que se escrevesse sobre isso.

Ora, a boa notícia é que as "sitcoms clássicas", com público no estúdio, baixos valores de produção e gargalhadas engarrafadas, não estão bem de volta. E continuam a existir comédias incríveis que não têm medo de arriscar, algumas até têm audiências e ganham prémios. A má notícia é que se estrearam mais "sitcoms" absurdamente fracas, para já não dizer sexistas e racistas, do que aquilo que é habitual. E parece que, pelo menos duas, vieram para ficar, juntando-se a outras igualmente detestáveis como “Two and a Half Men” ou “The Big Bang Theory”. É parte do retrocesso civilizacional a que o título alude.

O que ofende em séries novas como “New Girl” (protagonizada por Zooey Deschanel), “Whitney” ou “2 Broke Girls” (estas duas partilham uma criadora: Whitney Cummings) não é o facto de seguirem à risca um formato obsoleto. Isso também ocorria nas primeiras temporadas de “How I Met Your Mother”, que eram excelentes. O que ofende são as personagens fracas e as piadas ainda piores, a falta de originalidade, o amontoar de clichés, o facto de ninguém ali ser mais do que um estereótipo. E o machismo. Sim, o machismo.

“New Girl”, “Whitney” e “2 Broke Girls” são "sitcoms" protagonizadas por mulheres, o que, à partida, pode parecer bom e progressista. Mas basta ver dois minutos de um episódio para perceber que não é o caso. Em “New Girl”, Zooey Deschanel interpreta Jess, uma totó desajeitada que não consegue fazer nada sem um homem, pelo que quando é deixada pelo namorado vai morar com três desconhecidos. Porque as mulheres não conseguem fazer nada sem um homem, perceberam?

Mas o pior são mesmo as séries da senhora Whitney Cummings. Aqui não há protagonistas burras, há pior. Há miúdas giras que só se dão com homens na cama, mas com quem o público masculino se pode identificar, porque têm um sentido de humor “que eles percebem” – isto é, fazem piadas básicas sobre coisas hilariantes como as violações.

Regresso à outrora magnífica “How I Met Your Mother”. Lá, três homens e duas mulheres passam a vida juntos e são os melhores amigos do mundo. Isso não acontece no mundo de Whitney, onde os homens e as mulheres só se encontram na cama, e durante três minutinhos, que é para não cansar. E não querem que eu fale em retrocesso civilizacional…

Nota: O título do texto foi roubado ao Rodrigo Nogueira que também escreve neste espaço. Façam um favor a vocês mesmos e leiam os textos dele. Vá.

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