A cidade de Faro está "doente", asfixiada pela falta de áreas verdes para a população

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Médicos e paisagistas debateram como prevenir a diabetes PEDRO CUNHA

Cada habitante conta só com meio metro quadrado de zona verde. O mínimo aceitável, dizem arquitectos paisagistas, seriam 20 m2. Plano Verde elaborado há 15 anos ainda na gaveta

A capital algarvia está "doente" e não há remédio que a cure se não for travada a especulação imobiliária. O diagnóstico foi apontado, este fim-de-semana, no IV Simpósio de Diabetes do Algarve, em Vilamoura. Os médicos convidaram arquitectos paisagistas e outros técnicos para ajudarem a debater a razão para o aumento de diabéticos. "Falta qualidade ao espaço público", diz Amélia Santos, co-autora do Plano Verde de Faro, elaborado em 1996 e já revisto mas a "aguardar parecer jurídico" há quase dois anos.

A cidade de Faro tem vindo a crescer ao sabor da especulação imobiliária, observa Fernando Pessoa, paisagista, convidado para o simpósio, sublinhando a falta de uma lei de solos. "Constrói-se casa a casa, lote a lote, não há um planeamento global", reforça Amélia Santos, notando que as zonas verdes são quase inexistentes: "Faro regista uma média meio metro quadrado de espaço verde por habitante". O mínimo aceitável seria de 20 m2, quando "na Alemanha a média é de 40 m2 por habitante". Os números fazem parte do estudo elaborado por Amélia Santos e José Brito, do Gabinete de Apoio Técnico, que definiu também um plano estratégico para a cidade, mas que não foi aplicado.

O presidente da câmara, Macário Correia, explica que o impasse na aplicação do Plano Verde "não é uma questão jurídica": "É uma questão técnica - vindos dos últimos 40 anos, num conjunto de 180 loteamentos, há 45 por regularizar". As áreas de cedência dos urbanizadores ao município "muitas das vezes só existem no papel, mas na prática não estão lá". Quando se fala em zonas verdes, observa a arquitecta, "a questão resume-se ao que fica depois de tudo construído, se sobrar algum espaço".

Na opinião da técnica, os relvados "não são a melhor solução, pela água que consomem, o que é necessário é saber aproveitar a estrutura ecológica da cidade e não destruir os solos agrícolas". As hortas urbanas e sociais, uma tendência a que Faro também aderiu, "não podem ser feitas onde apetece, mas onde o terreno apresenta condições para isso". A opção pela zona histórica da cidade é um erro: "Aquilo é uma terra onde não se consegue cultivar nada, nem sequer meter uma enxada."

Exemplo do crescimento desordenado pode ser encontrado nas traseiras do centro comercial Fórum Algarve. Numa quinta abandonada, uma magnólia centenária, capta a atenção da arquitecta. "Está decrépita", observa. O local, prevê Amélia Santos, está condenado a dar lugar a mais um espaço comercial. Ao longe vêem-se os blocos do Vale da Lejana, outra antiga zona agrícola: "Ali o estacionamento fica encostado à ribeira. As coisas impõem-se sobre o território e não se resolve a estrutura ecológica fundamental."

Fernando Pessoa defende a necessidade de criar espaço para a mobilidade na cidade, mas sublinha os "bloqueios" ao nível do planeamento. O acesso ao campus universitário das Gambelas, não tem uma ciclovia e quem se "atreve a andar de bicicleta ou a pé, arrisca-se a ser atropelado". O médico Eurico Gomes, por seu lado, lembra que o parque automóvel da universidade "faz lembrar a periferia de um grande estádio de futebol". A prevenção da diabetes, recorda, "tem a ver com a qualidade urbanística das cidades".

A falta de actividade física no meio urbano, aludiu Fernando Pessoa, recordando uma conferência médica realizada este ano no Equador, provoca a morte de 3,2 milhões de pessoas por ano na América Latina, onde se estima que em 2050 venham a viver 652 milhões de pessoas nas cidades.

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