Na carrinha do CAD – Centro de Aconselhamento e Detecção Precoce do VIH –, uma picada no dedo pode alterar tudo. Lá dentro, as palavras dos técnicos – enfermeiros e psicólogos – lutam diariamente contra a indiferença, contra a inconsciência e a ignorância. Contra a desinformação.
Maria [nome fictício] tem 29 anos. Um ataque de coragem levou-a a fazer o teste naquela noite - “Estava a passar de carro e vi a carrinha parada”. Quis fazê-lo “por descargo de consciência”. Estava ansiosa, muito. Saiu com um sorriso aliviado: “Facilitei. Tenho uma relação de dois meses e confiei sem pensar”. Agora quer uma ficha limpa, começar com confiança: o namorado também fez o teste e também deu negativo. E este comportamento – “pelo menos este” – deve ser “obrigatório”, salienta João Rodrigues: “Fazer o teste quando se inicia uma relação, assumir esse compromisso”.
A fase apaixonada da relação é a mais perigosa, avisa o enfermeiro. “Faz-se tudo sem pensar, quer-se confiar.” Ter relações sexuais – vaginal, anal e oral – sem protecção é uma forma de transmissão do vírus. No CAD, o trabalho dos técnicos também é este: explicar que uma vez pode chegar. Que tanto pode como não pode.
Raul Manarte, psicólogo, sabe bem da imprevisibilidade da doença. Está há cinco anos no serviço, já viu e ouviu de tudo, mas há uma semana que não lhe sai da cabeça: “Uma miúda, adolescente, com namorado fixo, que veio fazer o teste. Estava infectada. E, na mesma semana, uma mulher que teve relações desprotegidas com dois homens que ela sabia serem seropositivos. O teste deu negativo”.
Vírus imprevisível
“A transmissão depende muito das características individuais e da fase em que a doença está. O vírus é altamente contagioso nos primeiros seis meses, por exemplo”, explica João Rodrigues. Na carrinha do CAD, não há um perfil para a pessoa que vai fazer o teste: há gente de todas as idades. Mas é no grupo dos 35-50 anos que a infecção cresce mais, sendo os mais jovens o segundo grupo com mais novos casos. “Numa relação ocasional, é mais fácil convencer um jovem a usar preservativo do que uma pessoa menos jovem”.
“Tive um comportamento de risco. Foi só uma vez. Achamos que podemos confiar, mas depois o medo apodera-se de nós”. Joana [nome fictício] assume o “erro” em frente à carrinha do CAD, enquanto espera para fazer o teste. Garante que não está nervosa, mas quer ter certezas: na altura pesquisou na Internet sobre as possibilidades de estar infectada. “Deixei passar, mas é uma coisa que está comigo”, explica a jovem de 22 anos.
O grande problema é que as pessoas “continuam a achar que estão imunes”, lamenta João Rodrigues. A sida mata – ou matam as doenças que lhe estão associadas. Dizer isto não é desvalorizar a evolução da ciência – “Estamos muito longe da cura. Há evoluções fantásticas e é possível viver com a doença, mas é preciso que as pessoas compreendam que a qualidade de vida passa a ser completamente diferente”, salienta o enfermeiro.
A medicação evoluiu, os efeitos secundários diminuíram. Mas, para já, "o que a medicação trouxe à doença foi cronicidade". A sida não tem cura. E ainda há discriminação: “É inacreditável como há”, diz o psicólogo Raul Manarte. A todos os níveis – social, no trabalho, na família, nas relações. “E até na área da saúde”, lamenta o psicólogo.